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Umbanda no Paraná

por Denise Freitas de Oliveira e Edgar Cavalli Junior

Duas mulheres, duas vidas, uma história.

Eugenia Lopes de Oliveira (1909 – 1994), conhecida como Tia Zizi, gostava de ser tratada por “cavalo de Pai João”, pois dedicou sua vida para que ele pudesse cumprir sua missão. Ela começou as incorporações com o Preto Velho aos quinze anos de idade, ainda na casa dos pais. Após seu casamento com o José Orlandini Lopes, que era maçom, iniciaram a construção do Templo Sol do Oriente.

Em paralelo à história da Tia Zizi, havia D. Amélia Guiraud (1904 – 1998), índia legítima nascida em Morretes. Ainda pequena foi adotada por um casal de alemães e cresceu em Ponta Grossa, e desde cedo tinha visões e ouvia vozes. Então os pais a colocaram num grupo chamado “Filhas de Maria”, buscando amenizar sua mediunidade latente. Ainda assim, continuava a ouvir vozes e, já casada com o Sr. Hercílio Guiraud, começou a frequentar um Centro de Mesa Branca, onde os espíritos que se manifestavam identificavam–se como Dr. Leocádio,um Caboclo e um Preto Velho. Diante desta situação, os dirigentes do centro recomendaram que ela fosse para o Rio de Janeiro, pois lá vinha ocorrendo um movimento umbandista em que essas entidades poderiam ser aceitas.

Por volta de 1920 e já no Rio de Janeiro, D. Amélia fez sua camarinha. Ficou em torno de 40 dias e nesse período se apresentou o Caboclo da Mangueira, seu orientador espiritual, com quem aprendeu tudo sobre a Umbanda.

De volta a Curitiba, iniciou os trabalhos no porão da sua casa, quando o espírito que se apresentava como Leocádio no centro de mesa se apresentou como sendo Exu Geribom. Naquela época, a maioria dos trabalhos era de cura e, apesar de não terem atabaques, havia cânticos e palmas. Nesse período, como a repressão da polícia era grande e as crianças eram proibidas de ir às sessões, elas ficavam na calçada e caso avistassem um policial ou alguém suspeito, uma descia e avisava para diminuírem os barulhos.

As vidas se cruzam

Os maridos de Tia Zizi e D. Amélia – que eram maçons e estavam juntos na construção do Templo Sol do Oriente – conseguiram um terreno triangular para a edificação da casa. Através da amizade dos esposos, as correntes mediúnicas se uniram e, sob as determinações do Pai João de Benguela, o templo foi sendo construído. A edificação foi feita com base nas simbologias das antigas sabedorias. O congá ficava na
mesma altura do altar do Venerável da loja maçônica e havia um fio de cobre (fio transmissor de energia) ligando os dois, sendo que na parte de cima havia a loja maçônica e na de baixo, o templo de Umbanda. Ainda existia uma área de chão batido atrás do congá à qual somente alguns médiuns tinham acesso.

Em 20 de janeiro de 1942 é fundado oficialmente o Templo Espiritualista Sol do Oriente. Entretanto, os estatutos do Templo só foram aprovados em Assembleia no dia 30 de setembro de 1947, quando então foi filiado à União Brasileira de Umbanda com diploma e gozo de todas as garantias constitucionais. Segundo os estatutos do templo, nada era feito sem autorização do Pai João de Benguela que também tinha a palavra final sobre qualquer assunto tanto na loja, quanto no templo. Desta maneira, não existia contestação.

Em 20 de janeiro de 1942 é oficialmente fundado o Templo Espiritualista Sol do Oriente.

Sob o comando do Pai João de Benguela, os trabalhos eram realizados duas vezes por semana, e somente a Tia Zizi, D. Amélia e poucos  médiuns trabalhavam incorporados. Os demais participavam da firmeza da corrente, sem incorporar, mas, mesmo assim, demonstrando muita seriedade e devoção.

Os trabalhos se iniciavam com os cânticos para os Orixás seguidos dos pontos das entidades dirigentes. No primeiro dia da semana ocorriam os trabalhos de passes e, quando necessário, após três vezes no passe, era agendada uma consulta com o Pai João para sequência dos trabalhos.

  • Em 1946 é psicografado e editado o livro “Primeiras Revelações de Umbanda”.
  • Em 24 de junho de 1947 é feito o lançamento da pedra fundamental do templo.
  • Em 15 de julho de 1952 acontece a inauguração, funcionando na parte de cima a Loja Sol do Oriente e na parte de baixo o Templo Espiritualista Sol do Oriente.

A separação

As duas trabalharam juntas no Templo Sol do Oriente até 1951, quando D. Amélia fundou a Tenda Espiritualista de Yemanjá (em 23/06/1951, segundo o site da A.M.E.M.) onde trabalhou por três anos sob orientação do Caboclo da Mangueira.

Apesar de estarem cada uma em um templo, mantiveram rituais semelhantes. Atendimentos duas vezes por semana e um terceiro dia para desenvolvimento da corrente. A filosofia praticada na época era a mesma: a simplicidade. Roupas brancas (calça branca e jaleco branco, tanto para homens quanto para mulheres). A única guia utilizada era a da entidade que hoje nós conhecemos no Terreiro Pai Maneco como Pai de Cabeça. Essa guia era confeccionada ao longo de sete obrigações, que podiam demorar, no mínimo, cinco anos, pois eram solicitadas uma a uma pela entidade do médium e aprovadas pela entidade responsável pelo desenvolvimento (que no caso do Templo Sol do Oriente era o Caboclo Tupinambá, também incorporado em Tia Zizi).

Considerações finais

Nossa pesquisa* buscou focar, principalmente, nas figuras que desenvolveram uma prática religiosa coerente com os ideais que consideramos verdadeiros para a Umbanda. Não são poucos, ainda hoje, os centros que se autodenominam umbandistas, porém, seguem práticas longe daquelas baseadas na caridade, bondade e compaixão da mensagem original do Caboclo das Sete Encruzilhadas.

Obviamente outros fenômenos mediúnicos ocorriam na capital paranaense. Uma pesquisa não muito criteriosa em jornais, federações e ocorrências policiais do período dão conta de que centenas de centros praticavam rituais parecidos e até nominados Umbanda. Não apenas isto, mas também Candomblés, Catimbós e centros Kardecistas começavam a surgir na Curitiba de meados do século XX.

Um dos participantes foi o Sr. Edmundo Ferro que, ao sair da casa, fundou a Tenda São Sebastião.

Ainda no tocante à Umbanda praticada em Curitiba nos dias atuais, grande é o número dos centros nascidos da dedicação e amor à espiritualidade demonstrada por essas duas mulheres.

Apesar de parecer estranha a ligação tão estreita entre a Umbanda do Paraná e a maçonaria, nos foi lembrado que a maçonaria tem três colunas de trabalho: sabedoria, força e beleza e as três colunas da umbanda são: Preto Velho, Caboclo e Erê. E onde elas se unem? A sabedoria do Preto Velho, a força do Caboclo e a beleza dos Erês.

Em cada região do país a Umbanda foi inserida dentro do contexto social da época. Em Curitiba, a maçonaria era a grande força que poderia dar respaldo para o início dos trabalhos de forma ampla e sem perseguição policial, pois os grandes nomes da sociedade estavam dentro da maçonaria e estes, dentro do Templo Sol do Oriente.

Com relação às incorporações, o que pudemos observar é que naquele período os médiuns afirmavam ser praticamente inconscientes e,  segundo os relatos, todos se dedicavam muito à umbanda. Durante as entrevistas e conversas com Ubiratan da Silva (médium do Templo Sol do Oriente da década 80) e Juciema Guiraud Ribeiro, neta de D. Amélia, algumas coisas nos marcaram muito e transcrevemos abaixo as frases conforme escutamos:

“Eu considero a Umbanda um sacerdócio e poucos estão preparados ou se propõem a se entregar ao sacerdócio. Eles não querem abrir mão de sua vida pessoal e é nesse ponto que começa o desvio dos caminhos do médium. Os médiuns gostam do trabalho no terreiro, de incorporação, mas falta comprometimento e obediência (porque o desenvolvimento não acontece da noite para o dia). Se aconteceu com Sr Zélio de Moraes, Tia Zizi, D. Amélia, é porque a vida deles foi em função da Umbanda. Mas nós não queremos viver em função da Umbanda, nós queremos que a Umbanda nos sirva e isso é muito triste” – Ubiratan da Silva.

“Duas coisas que aprendi com a minha avó – e ela dizia que tudo que ela aprendeu de Umbanda foi com o Caboclo da Mangueira: cobrou fuja! Fuja! Não pergunte por que nem nada, simplesmente fuja. E chamou tem que atender, não importa a hora, nem quem e nem aonde. Tem que atender. Precisou, vai” – Juciema Guiraud Ribeiro.

Um dos participantes do Templo Sol do Oriente foi o Sr. Edmundo Rodrigues Ferro que, ao sair da casa, fundou a Tenda São Sebastião, onde o Pai Fernando de Ogum teve seu primeiro contato com a Umbanda e de onde saiu para fundar o Terreiro do Pai Maneco, nossa casa onde a Umbanda  simples ainda é praticada.

*Grupo de pesquisa em História da Umbanda no Paraná: Denise Freitas de Oliveira, Caroline Novak, Paulo Braz e Edgar Cavalli Junior.

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