TATO – Por Agne Carvalho
• Movimento (danças, curimbas), bengala, chocalho, pau de chuva, espada, arco-e-flecha, punhal, etc.
Dança
Dançar é vivenciar um momento mágico, espaço oportuno para o resgate de sensações até então adormecidas pelo ritmo alucinado de nossas vidas. É uma escuta interior que nos reaproxima de nosso próprio corpo, sentidos e sentimentos. O movimento é expressão, é comunicação. É um caminho permeado por novas formas de se utilizar o corpo de maneira lúdica, prazerosa e expressiva.
Dança é celebração, a dança é linguagem. Linguagem para aquém da palavra: as danças de cortejamento dos pássaros o demonstram. Linguagem para além da palavra: porque onde as palavras já não bastam, o homem apela para a dança.
O que é essa febre, capaz de apoderar-se de uma criatura e de agitá-la até o frenesi, senão a manifestação, muitas vezes explosiva, do Instinto de Vida, que só aspira rejeitar toda a dualidade do temporal para reencontrar, de um salto, a unidade primeira, em que corpos e almas, criador e criação, visível e invisível se encontram e se soldam, fora do tempo, num só êxtase. A dança clama pela identificação com o imperecível; celebra-o.
Tal é a dança do rei Davi diante da Arca, ou a que encantava e arrastava num turbilhão sem fim Meviana D’jellal ed’din Rumi, o fundador da confraria dos dervixes rodopiantes (mawla-wiyya), e um dos maiores poetas líricos de todos os tempos. Tais são também todas as danças principiativas, todas as danças qualificadas como sagradas.
Mas tais são, ainda, na vida dita profana, todas as danças, populares ou eruditas, elaboradas ou de improvisação, individuais ou coletivas, as quais, em maior ou menor grau, buscam uma libertação no êxtase, quer ela se limite ao corpo, quer seja mais sublimada – na medida em que se admita que haja graus, modos e medidas no êxtase.
O ordenamento da dança, seu ritmo, representa a escala pela qual se realiza e completa a libertação. Não há exemplo melhor do que o dos xamãs, pois eles mesmos confessam que é com a dança, acompanhada pelo seu tambor, que se consuma a sua ascensão para o mundo dos espíritos. Da Grécia e de seus mistérios, da África, pátria dos orixás e do vodu, ao xamanismo siberiano e americano, e até nas danças mais livres do nosso tempo, por toda parte o homem exprime pela dança a mesma necessidade de livrar-se do perecível. As numerosas danças rituais para pedir chuva não diferem, nesse sentido, de nenhuma maneira, da mais trivial dança amorosa, e a extenuante dança do Sol, dos índios das Pradarias norte-americanas, bem como as danças de luto da China antiga, põe à prova a alma, procuram fortificá-la e conduzi-la pela senda invisível que leva do perecível ao imperecível. Porque se a dança é provação fervente, e prece, ela também é teatro5.
Citações:
“Aquele que sabe compreender a dança sagrada conhece o caminho que liberta da ilusão individualista, pois a dança é sua própria natureza, sua vida espontânea e total, para além de todos os fins particulares e limitados: ele se identifica com o movimento rítmico do todo que o habita” (Roger Garaudy).
“Incitando o corpo a vibrar ao ritmo do cosmos, provocando nele uma abertura para o advento da divindade (o êxtase), a dança enseja uma meditação, que implica ao mesmo tempo corpo e espírito; sobre o ser do grupo e do indivíduo, sobre arquiteturas essenciais da condição humana” (Muniz Sodré).
“O corpo age no mundo sagrado através dos movimentos da dança, e interagindo com o espaço e com o tempo volta à origem” (Rosamaria Bárbara).
“O que o homem busca para além da compreensão é a comunicação. A dança nasce dessa necessidade de dizer o indizível, de conhecer o desconhecido, de estar em relação com o outro” (Roger Garaudy).
“Pela música, pelo canto e, sobretudo pela dança, somos arrastados na corrente cósmica do ser e da vida e gozamos de uma espécie de imortalidade” (Roberto Motta).
Quando as palavras não alcançam os sentimentos sagrados, é o corpo que se movimenta para tentar explicar o que não se consegue sistematizar através de palavras: as sensações e desejos íntimos do ser humano, a sua relação com o Criador. A dança é uma tentativa de tornar compreensível certos sentimentos presentes no instante ritual. Por isso falar ou definir as emoções e experiências se torna algo quase impossível e até mesmo insuficiente. Apenas a observação mais aprofundada e a vivência desta prática são capazes de aproximá-las de uma organização lógica de ideias, com o intuito de compreender essa especial forma de comunicação.
E quanto mais conhecemos as danças sagradas (aquelas que estão intimamente relacionadas às crenças e que, consequentemente, perdem o sentido fora do sistema religioso), mais entendemos que elas vão além das representações simbólicas; não se constituem apenas num modo de “encenar” uma história ou de apresentar as personalidades divinas.
A dança religiosa é uma extensão do humano ao sagrado, a ligação de uma vida comum com uma existência heroica. É a possibilidade de viver de fato uma realidade sempre imaginada e desejada, a expressão de que os mundos natural e sobrenatural se encontram em constante interação – que no caso específico da umbanda, consiste numa necessidade tanto para os homens como para os espíritos.
A origem da dança normalmente é vista como ligada à religião, pois ela integrava as cerimônias religiosas dos povos primitivos (FARO, 1986). Isso porque ela surgiu como ferramenta importante no ato religioso de intermediar a relação do homem com o desconhecido. A ideia era de que ela mantinha os indivíduos conectados ao divino. A dança, portanto, nasceu da necessidade de expressão humana em comunicar-se com o sagrado, seja para suplicar graças aos deuses ou simplesmente para exprimir alegria por algo de bom concedido.
Segundo Faro (1986), as danças étnicas ou religiosas encontradas entre os povos antigos eram específicas das cerimônias realizadas nos templos. O conhecimento de sua prática pertencia exclusivamente à classe sacerdotal. Com o aparecimento do cristianismo e a instituição da Igreja Católica, a dança passa a ser banida de muitas cerimônias religiosas, considerada como um instrumento do pecado, pois colocava em movimento o corpo, o qual devia ser escondido e ignorado. Na concepção religiosa católica, o corpo representado pela carne, consistia no símbolo da fraqueza humana e da tentação ao espírito, o qual deveria ser fortalecido através do afastamento dos pecados cometidos pelo corpo físico.
Entretanto, a dança continuou presente nos cultos indígenas e africanos, nos quais é possível perceber uma vigorosa ligação entre dança e religião como forma de expressão de sentimentos de alegria ou de tristeza. Ela constitui-se num elo entre deuses e homens, servindo para que estes os invoquem, apaziguem a sua ira ou agradeçam-lhes pelas graças obtidas. Para Faro (1986) foi o catolicismo a religião responsável pela mudança de significado da dança sagrada: “No mito religioso existente antes do advento da Igreja Católica, a dança integrava, quase que em simbiose, a noção de religião” (FARO, 1986).
Na análise de Mendes (1987), a dança teve sua origem ligada à mitologia, à religião e à magia. Para ela, a dança consiste numa arte profundamente simbólica, que comunica os elementos não racionais presentes na relação humana com o sagrado – seus sentimentos e emoções. Dessa forma, a dança sagrada era um meio de expressão privilegiado de comunicação com as divindades para os povos da antiguidade. Ela afirma:
“Parece que certos povos primitivos procuraram expressar nos ritos o conteúdo dos mitos, através de movimentos e gestos que continham as características que os definiam como dança, pois num ritual, eles (os mitos) podiam ter tratamento épico ou dramático, este não necessariamente verbal, quando então os movimentos dançantes seriam os comunicadores”. (MENDES, 1987).
A teoria da dança circular sagrada, praticada desde os primórdios de nossa história e que, recentemente, passou a criar grupos terapêuticos em torno de sua prática reformulada – ou seja, seguindo os novos padrões de religiosidade e de espiritualidade – traz a ideia de que, reunidos em círculo, os dançarinos se mantêm conectados com o divino. A simbologia do círculo expressa a totalidade. O movimento harmônico e coletivo conscientiza os indivíduos da importância de unirem-se no momento de comunicação com a divindade. Nesta concepção, o centro do círculo simboliza a fonte ou Deus. O círculo formado pelos indivíduos significa a vida. “Assim como o círculo representa o Todo, cada ponto dentro do círculo representa a individualidade, a identidade de cada participante” (SAMPAIO apud ARAÚJO, 2003).
Em seu estudo, Nasser (2003) demonstra que a dança é essencial na concepção do universo para alguns povos, como os Hindus. Para eles, a dança é o início de tudo, porque Shiva Natajara (seu Deus) criou o mundo e sustenta, desde sempre, tudo o que nele existe, dançando. Também os índios comunicam sua intensa ligação com a natureza através dessa movimentação corporal, na qual eles agradecem aos deuses, pedem chuva e proteção. A dança religiosa, desta forma, restaura a ligação do indivíduo com as forças cósmicas, com o simbolismo que confere a ele uma existência universal (NASSER, 2003).
A dança dos antepassados significava celebrar, mas também era uma forma de aprender a história dos ancestrais e incorporar sua sabedoria. As danças sagradas demonstravam a necessidade do homem em tentar compreender o divino e sua dependência de um poder transcendente; elas consistiam num ritual que tentava estabelecer esse contato dos humanos com os deuses (HELENA, apud. ARAÚJO, 2003).
Bárbara (2000) relata que para as culturas tradicionais do oriente, como para os africanos, os indígenas e os povos mediterrâneos, o corpo consiste num todo em relação ao mundo no qual vivem. Por isso, no momento da dança em que ocorre o transe, os corpos dos filhos-de-santo se tornam a própria divindade, “superando a dicotomia cartesiana corpo/espírito, forma/conteúdo” (BÁRBARA, 2000, p. 150). Ela continua: “Mas esse corpo, além de experiência vivida, é também uma superfície de escritura, no qual a sociedade escreve o texto de suas leis” (BÁRBARA, 2000, p. 150). Descrevendo a dança do vento, característica do orixá Iansã, ela analisa dois aspectos: um lado externo (movimentos que comunicam) e outro, interno (transformação interna em algo outro, diferente da identidade cotidiana), sendo este último aspecto apenas possível de ser traduzido por quem o vivencia. Para ela, há algo em comum nas danças sagradas: elas formam um círculo (roda sagrada) em sentido horário, no intuito de abrir uma brecha entre o sagrado e o profano, simbolizando a volta às origens. O círculo vai diminuindo ao longo do ritual, com voltas que o dançarino dá sobre si mesmo, significando uma direção para o interno; é aí que acontece o transe: “Enquanto o corpo material vira sobre si mesmo, a energia do orixá penetra no corpo” (BÁRBARA, 2000, p. 161).
A dança transmite através e para todos os sentidos uma memória mítica, porque ela, junto com a música, tem a função de literatura nas sociedades de tradição oral. Ela representa os movimentos das forças naturais, perceptível por meio da execução dos gestos e da ocupação do espaço mágico. Estruturadas em coreografias, essa dança mostra as palavras das cantigas e as características das personalidades dos orixás.
Sobre a relação entre a dança e aquele que a pratica, Dantas (1999) fala sobre a profunda sintonia que existe entre dançarino e dança, na qual não há separação entre os dois, já que o dançarino não a simboliza ou a representa. Ele a vive. Em sua concepção, se há ou não coreografia, autonomia ou improvisação por parte do dançarino, como acontece num espetáculo teatral, uma coisa não se pode deixar de considerar em qualquer situação: o envolvimento, total ou parcial, daquele que dança e o seu próprio ponto de vista sobre este momento. A preocupação não se encontra no estado psicológico do dançarino, mas sim no sujeito como parte de uma coletividade, que com ela constrói esta prática dentro de um conjunto cultural maior. Na visão desta autora, podemos perceber uma relação de contiguidade entre dançarino e espectador, porque os dois fazem parte da “carne do mundo”, isto é, compartilham saberes históricos e culturais de um mesmo universo social. Ela também destaca o caráter comunicativo da dança, porém enfatiza que o sentido deve ser buscado na relação entre quem dança e quem assiste – mesmo que esta se modifique a cada nova apresentação. O sentido não está pronto ou acabado; ele vai sendo construído coletivamente.
Alguns autores destacam seu papel de transmissora de um saber, pois faz uso de uma linguagem corporal para ensinar as gerações sobre uma história mítica, representando a personalidade dos deuses. Fonseca (1999), afirma que os mitos são expressos e narrados numa linguagem corporal, a qual ensina os fiéis sobre os códigos religiosos: “As músicas ouvidas e cantadas são transformadas em movimentos sagrados, movimentos que remontam às origens, ao tempo mítico dos Deuses” (FONSECA, 1999, p. 90).
Para Sodré (1988),
(
…) “a dança é um ponto comum entre todos os ritos de iniciação ou de transmissão do saber tradicional. Ela é manifestadamente pedagógica ou filosófica, no sentido de que expõe ou comunica um saber ao qual devem estar sensíveis as gerações presentes e futuras” (SODRÉ apud FONSECA, 1988, p. 84).
Segundo Bastide (2001), a dança não só imita as ações e atividades divinas, como também faz os fiéis reviverem essa história, reintegrando o passado ancestral ao presente vivido. A dança é um “mito representado”, na qual os gestos simbólicos auxiliam o encantamento da palavra. Loyola (1984) atribui sua importância pelo uso ritualizado do corpo, o que exerce uma atração para a religião umbandista, e por permitir uma inversão simbólica de papéis sociais. Quando se dança não é mais o médium, mas sim a divindade quem baila.
Garaudy (1980) percebe a dança como sendo, ao mesmo tempo, conhecimento, arte e religião. Ela é a fonte de toda cultura. Em sua concepção, dançar faz com que o indivíduo tome consciência da transcendência coletiva, unindo o homem ao meio em que vive; o corpo ao espírito. Ela é um rito que atualiza o mito, fazendo o homem reviver o seu começo e do Deus que ele traz em si. “A dança torna o Deus presente e o homem potente” (GARAUDY, 1980). Esse autor também destaca que a dança não possui um único lado (o de quem dança), mas implica a participação de quem vê. Isto acontece principalmente nas danças sagradas, em que o físico e o espiritual não se constituem em dois domínios separados, mas são aspectos de uma mesma realidade. A dança é a linguagem que torna visível o invisível, induzindo uma experiência que não se pode conceituar, que não se reduz à palavra. “Se pudéssemos dizer uma certa coisa, não precisaríamos dançá-la” (GARAUDY, 1980). Garaudy (1980) vê a dança como modo de viver e não apenas de representar uma ação, um rito-ritual sagrado e social, que concebe a união do homem com seu próximo, e do indivíduo com a realidade cósmica (dupla significação)6.
o Bengala de preto-velho
Peça em madeira destacada por punho antropomorfo, uma cabeça de preto-velho toda pintada de preto e branco. A bengala apoia o preto-velho, ancestral africano, como também um ancestral afro-brasileiro. A pintura em preto e branco é marcante, pois estas cores representam os pretos-velhos, inclusive nos fios de contas.
O ancestral africano no Brasil não é apenas relembrado pelos Egunsguns na ilha de Itaparica, Bahia; nos terreiros de Umbanda aparecem os pretos-velhos enquanto conselheiros e sacerdotes.
A bengala é um marco, um símbolo do poder e da ancestralidade divinizada. É também um distintivo essencialmente masculino, embora muitos terreiros exibam bengalas em madeira para as pretas-velhas, contudo as mais elaboradas – entalhadas – predominam no modelo ancestral masculino.
A peça assume também uma função de bastão de mando, próprio dos que ocupam cargos importantes ou que aconselham, no caso dos velhos, os sábios, ou ainda líderes religiosos e políticos.
Importante remeter esse exemplo de cultura material afro-brasileira a casos do imaginário africano de bastões de mando, também feitos de madeira com entalhes antropomórficos, zoomórficos ou de cenas heroicas, míticas, do cotidiano ou ainda comemorativas, todos funcionando como distintivos de poder.
Não apenas por sua forte matriz estética a bengala remete-se ao formalismo de alguns grupos culturais de Angola, ou de área mais abrangente banto, pretendendo-se com isto atestar um refluxo de motivos África/Brasil e ao mesmo tempo marcar permanência de um imaginário que revela o poder através da ancestralidade. As bengalas tradicionais Lunda-Quioco mantêm funcionalmente um imaginário antropomorfo – que se expressam na visualidade afro-brasileira.
Essas peças, porém, estão cada vez mais raras, tanto nos terreiros como nas lojas que comercializam objetos consumidos pelos terreiros2.
o Pau-de-chuva
São idiofones presentes na música indígena do Brasil ou instrumento da tradição indígena brasileira. Consiste em um tubo de madeira ou de palha trançada muito longo e estreito, em cujo interior são colocadas pequenas sementes ou arroz. Ao se inclinar o tubo, o som lembra o ruído da chuva, razão pela qual os índios atribuem ao instrumento poderes de atraí-la, para irrigação das plantações3,4.
o Chocalho
Termo derivado do latim ‘choca’ (= chocalho grande), encontrado desde o século XIII, derivado do latim tardio “clocca” = (“sino”), originando o verbo “chocalhar” e a variante “chacoalhar”.
Indica qualquer tipo de instrumento cuja produção sonora é feita por meio do ato de sacudir ou agitar. Em todo o mundo os “chocalhos” estão associados, em sua origem, a cultos religiosos, cerimônias e rituais mágicos. Servem para ‘chamar a atenção’ dos bons espíritos ou afastar os maus. Os árabes prendem “chocalhos” metálicos na roupa das crianças para afastar a febre, os pajés indígenas os agitam em cerimônias de purificação, etc.
De forma geral, os indígenas e comunidades arcaicas usam apenas um instrumento, considerado sagrado pela tribo, com poder purificador e protetor. Na música popular é utilizado em par (como as “maracas”). Os “chocalhos” podem ser subdivididos em:
1. Internos, quando os objetos entrechocados estão confinados em um recipiente; o recipiente pode ser feito de qualquer material, sendo os mais antigos (e comuns) feitos de “cabaça” ou de outros tipos de frutos como o coco (Cocus nucifera), ovos de animais, ossos, cerâmica, palha, até os mais elaborados, feitos de madeira, metal ou material sintético.
2. Externos, quando alguns objetos se chocam colocados na superfície de outro objeto no qual estão presos ou são envolvidos. Nesse caso são encontrados: 2.1 ‘de fieira’, quando estão alinhados a um material flexível (pedaço de couro, corda, etc.) e são presos a um outro objeto ou ao próprio corpo do “instrumentalista”; são chamados de “ankle bells” e “row rattle”; 2.2 ‘de alça’, quando estão presos, de forma alinhada ou não, a um objeto rígido que será sacudido pelo “instrumentalista” (como o “xequerê” e o “sistro”); 2.3 ‘de vento’, quando estão presos a outro material que por sua vez está preso a uma estrutura rígida, leves o suficiente para entrechocarem conforme o deslocamento do ar; nesse caso são chamados também de “sino de vento”. É conhecido pelas variantes “xocalho”, “xucalho”, “xucáio”, “chocáio” e entre os indígenas do Brasil é denominado “maraká”13.
o Espada
A palavra espada é comumente usada para se referir a uma série de “armas brancas” longas, formadas por uma lâmina e uma empunhadura; abrangendo, por extensão, objetos como o sabre, o florete, o gládio, o espadim e a katana, dentre outros. A espada, na verdade, é formada por uma lâmina comprida, normalmente reta e pontiaguda, de metal, com gume num ou nos dois lados, dependendo do tipo.
A espada é formada basicamente por uma lâmina de metal, com gumes em ambos ou num dos dois lados, e uma ponta. Essa lâmina é fixada a um cabo, feito de metal ou madeira. Outrora, mestres forjadores europeus, árabes e orientais estabeleceram as regras principais da lâmina: concisa, formato variável, tenaz, resistente ao combate. Diversos materiais e forjaduras deram forma às espadas, do bambu ao titânio.
Inicialmente utilizava-se uma espada curta e direta. Porém, ao longo da história existiram muitos outros tipos de espada com diferentes características variando desde o seu material até ao seu formato, tamanho e o próprio processo de forjadura. Estas variações conferiram-lhes várias diferenças em relação à resistência, durabilidade, manuseio e forma. Por exemplo, uma espada larga teria maior poder de ataque, mas seria mais lenta do que uma espada mais fina e leve. Uma katana seria bastante boa para cortar e teria uma vasta combinação de ataques, devido à sua lâmina reta de um gume, no entanto, não é boa para estocar. Um florete é bom para estocadas, porém só é possível atacar horizontalmente. Uma espada longa como uma espada montante seria boa para atacar a grande distância, mas é pouco ágil e bastante pesada, além de ser de difícil manuseio. Uma espada curva com a ponta pesada (cimitarra) é boa para atacar um oponente com cortes longitudinais, mas é tembém muito lenta. Já o punhal é bastante ágil, porém tem um curto alcance.
Durante muito tempo, a espada foi a principal arma para combate corpo-a-corpo, sendo usada tanto pela Infantaria quanto pela Cavalaria. Mesmo com o advento das armas de fogo, continuou a ser usada como instrumento bélico. Seu significado permanece forte na História Antiga e Moderna. Apesar de algumas unidades de polícia montada ainda adotarem a espada (inclusive para praças), atualmente ela é principalmente um elemento simbólico em celebrações militares. Representa a justiça e autoridade do oficial nas Forças Amadas. Em algumas artes marciais como o kenjutsu, a prática do manejo da espada é um veículo para o desenvolvimento espiritual. Finalmente, há também o lado desportivo, representado por disciplinas como a Esgrima e o Kendo7.
Espada como símbolo
Em primeiro lugar, a espada é o símbolo do estado militar e de sua virtude, a bravura, bem como de sua função, o poderio. O poderio tem um duplo aspecto: o destruidor (embora essa destruição possa aplicar-se contra a injustiça, a maleficência e a ignorância e, por causa disso, torna-se positiva); e o construtor, pois estabelece e mantém a paz e a justiça. Todos esses símbolos convêm literalmente à espada, quando ela é o emblema do rei (espada sagrada dos japoneses, dos antigos povos kampucheanos (cambojanos), dos khmers e dos chans, estes últimos conservando ainda o Sadet de Fogo da tribo jaraí). Quando associada à balança, ela se relaciona mais especialmente à justiça: separa o bem do mal, golpeia o culpado.
Símbolo guerreiro, a espada é também o símbolo da guerra santa (e não o das conquistas arianas, tal como pretendem alguns, a propósito da iconografia hindu, a menos que se trate de conquistas espirituais). Antes de mais nada, a guerra santa é uma guerra interior, e esta pode ser igualmente a significação da espada trazida pelo Cristo (Mateus, 10, 34). Além do mais – sob seu duplo aspecto destruidor e criador –, ela é um símbolo do Verbo, da Palavra. O khitab muçulmano costuma segurar uma espada de madeira durante sua predicação; o Apocalipse descreve uma espada de dois gumes a sair da boca do Verbo. Esses dois gumes relacionam-se com o duplo poder. Podem significar também um dualismo sexual: ou os gumes são macho e fêmea (conforme exprime certo texto árabe), ou as espadas são fundidas ritualmente por casais ou por um casal de fundidores, no decurso de operações que são casamentos (tal como sucede nas lendas chinesas).
A espada é também a luz e o relâmpago: a lâmina brilha; ela é, diziam os Cruzados, um fragment da Cruz de Luz. A espada sagrada japonesa deriva do relâmpago. A espada do sacrificador védico é o raio de Indra (o que a identifica ao vajra). Ela é, portanto, o fogo: os anjos que expulsaram Adão do Paraíso tinham espadas de fogo. Em termos de alquimia, a espada dos filósofos é o fogo do cadinho. Ao mundo dos asura, o Bodhisattva leva a espada chamejante: é o símbolo do combate pela conquista do conhecimento e a liberação dos desejos; a espada corta a obscuridade da ignorância ou o nó dos emaranhamentos (Govinda). Do mesmo modo, a espada de Vixenu, que é uma espada chamejante, é o símbolo do conhecimento puro e a destruição da ignorância. A bainha é a nescidade e a obscuridade: conceito ligado, certamente, ao fato de que a espada sagrada do Sadet do Fogo dos jaraís não possa ser tirada da bainha por um profano, sob pena dos piores perigos. Em simbólica pura, esses perigos haveriam de exprimir-se pela cegueira ou pela queimadura, sendo que o fulgor ou o fogo da espada só podem ser suportados por indivíduos qualificados.
A espada, além de ser o relâmpago e o fogo, é também um raio de Sol: o rosto apocalíptico de onde sai a espada é brilhante como o Sol (é, efetivamente, a fonte da luz). Na China, o trigrama li, que corresponde ao Sol, corresponde igualmente ao relâmpago e à espada.
Inversamente, a espada está relacionada com a água e com o dragão: a têmpera é a união da água e do fogo; sendo fogo, a espada é atraída pela água. A espada sagrada da nipônica foi extraída da cauda do dragão; a do Sadet do Fogo foi encontrada no leito do Mekong. Na China, as espadas precipitam-se por si mesmas na água, onde se transformam em dragões brilhantes; as espadas fincadas na terra fazem brotar fontes. Conhece-se a conotação existente entre o relâmpago e a produção da chuva.
A espada é também um símbolo axial e polar: este é o caso da espada que se identifica ao eixo da balança. Na China, a espada, símbolo do poder imperial, era a arma do Centro; entre os citas, o eixo do mundo e a atividade celeste eram representados por uma espada fincada no cume de uma montanha. Aliás, a ideia de que a espada fincada na terra possa produzir uma fonte não deixa de estar relacionada com a atividade produtora do Céu (CHOO, COOE, HERS).
Na tradição bíblica, a espada faz parte dos três flagelos: guerra-fome-peste. Essa trilogia aparece, particularmente, em Jeremias (21, 7; 24, 10) e em Ezequiel (5, 12-17; 6, 11-12; 12, 16 etc.); no caso, a espada simboliza a invasão de exércitos inimigo. A espada de fogo designa, segundo Fílon (De cherubin, 25, 27), o logos e o sol.
Quando Deus expulsou Adão do Paraíso, ele colocou diante do jardim do Éden os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida (Gênesis, 3, 24). Segundo Fílon, os dois querubins representam o movimento do universo, o deslocamento eterno do conjunto do céu, ou ainda, dos dois hemisférios. Conforme uma outra interpretação do mesmo autor, os querubins simbolizam os dois atributos supremo de Deus: a bondade e o poder. A espada refere-se ao Sol, cujo percurso faz a volta no universo inteiro no período de um dia cósmico. A espada relaciona-se também à razão, que reúne a um só tempo os dois atributos de bondade e de poder: pela razão, Deus é generoso e soberano ao mesmo tempo (De cherubin, 21-27).
Nas tradições cristãs, a espada é uma arma nobre que pertence aos cavaleiros e aos heróis cristãos. Ela é muitas vezes mencionada nas canções de gesta. Rolando, Olivier, Baligant, todos eles possuíam espadas individualizadas que tinham nomes, como, por exemplo, Joyeuse (“Alegre”), Durandal, Hauteclaire, Corte, Bantraine, Musaguine etc., para lembrar apenas alguns deles. Esses nomes provam a personalização da espada. À espada está associada a ideia de luminosidade, de claridade; a lâmina é qualidade de cintilante (cf. Jeanne Wathelet-Willem. “L’épée dan les plus anciennes chansons de geste. Étude de vocabulaire”, em Mélanges René Croizet. Poitiers, 1966. PP. 435-441).
Ás vezes, a espada designa a palavra e a eloquência, pois a língua, assim como a espada, tem dois gumes5.
o Punhal
Punhal, em geral é uma pequena arma branca medieval, de lâmina curta, estreita, penetrante e cortante, e cabo em forma de cruz. Muitas vezes usado como arma sendo um símbolo antigo da luta e da vontade de vencer. Usado desde o início do terceiro milênio antes de Cristo, passou a ser utilizado na Europa medieval, como uma arma de guerra, junto com a espada.
No Brasil, o punhal foi bastante modificado, recebendo o nome de estilete de forma geral no sertão brasileiro, seu uso era muito comum tanto no pampa gaúcho (chamado no Sul de estilete ou espeto, sendo usado junto com a adaga e o sabre entre os farroupilhas), quando seu comprimento era ampliado, servindo para preparo do churrasco, tanto para assá-lo como para levá-lo à mesa.
Como também no Cangaço do nordeste brasileiro – nos bandos de Cangaceiros, o punhal adquire uma forma mais alongada (o mesmo do gaúcho), possuindo ponta, porém, possuindo ou não possuindo cortes e se caracterizando como uma arma própria para se ferir com a ponta. Também lá no Nordeste, de forma geral, o punhal, estilete ou espeto, servindo para o preparo do charque ou carne de sol (carne salgada, posta ao sol, para secar e poder ser armazenada e consumida em campanha ou acampamento), tanto para assá-la na brasa, como levá-la à mesa7.
Para os ciganos, além da representatividade de uma arma ligada à sobrevivência e à segurança, o punhal é um dos grandes símbolos da superação e do pioneirismo, pois os ciganos usavam para abrir caminhos entre os matos e na limpeza das caças.
Além disso, ele representa o elemento ar, a força, a honra, os êxitos, o poder e a vitória, sendo usado no dia-a-dia, nos rituais, nas cerimônias e nas danças. Nos rituais ou cerimônias, o punhal é usado para a limpeza das energias, direcionando-as para o corte do mal transmutando as energias negativas do local8,9.
o Arco e flecha
Segundo consta, o arco e flecha vem sendo utilizado desde a Idade da Pedra Lascada, há cerca de 12.000 anos. Achados arqueológicos mostraram que os egípcios o utilizavam há cerca de 5.000 anos atrás para caça e também nas guerras. O mais inusitado é que arcos e flechas foram encontrados em todas as partes do mundo.
Histórias mitológicas dos gregos, dos romanos, dos vikings e druidas possuem sempre seus deuses e heróis utilizando arco e flecha. Muito utilizado como arma de guerra, adaptado pelo homem de acordo com a necessidade, se o guerreiro estivesse a cavalo, ou a pé, ou ainda em carruagens, leves e rápidas ou pesadas e lentas. Também muito utilizado em torneios, na época em que os guerreiros descansavam entre uma batalha e outra, e nos nossos dias, como esporte olímpico.
Na China, o arco e flecha data da dinastia Shang ( 1766-1027 a.C.) e depois, no século VI, apareceu no Japão, logo sendo assimilado entre as artes marciais. O arco e flecha se tornou obsoleto como arma de guerra com a introdução do fogo de artilharia, o que ocorreu na Guerra de 30 anos, no início de 1600 da era cristã, que envolveu vários países da Europa a começar pelo que é hoje Alemanha.
Mas se continuarmos a estudar, verificaremos que o índio norte-americano sempre foi exímio no uso do arco e flecha, do mesmo modo que o nosso índio brasileiro, com ligeiras diferenças de tribo para tribo, como ainda os pigmeus, que até hoje o utilizam. Sobre estes últimos é interessante comentar que há pigmeus com arcos e flechas muito semelhantes, em diferentes partes do mundo, como o Sudeste da África, Sul da Ásia, Oceania, Brasil e Bolívia.
Enfim, há muito o que se pensar, nestas “coincidências” que ocorreram durante a evolução humana ao longo dos séculos, com continentes e oceanos a separar os diferentes povos.
Partindo desta introspecção no campo material, vamos refletir também o uso do arco e flecha no Mundo Espiritual. Frequentemente os caboclos de Umbanda se apresentam como flecheiros, sob o comando da Linha de Oxóssi. Eles se apresentam como índios que defendem uma linha de frente de demanda. Eles têm aptidão para confrontos e firmeza suficiente para enfrentar ataques das sombras e de entidades voltadas a prejudicar que se dedica ao caminho do Bem12.
Símbolo da guerra e do poder. O arco indica muitas vezes elasticidade e força vital; a flecha é um símbolo da rapidez e também da morte súbita (por exemplo: é eventualmente símbolo da peste!); representa com frequência um movimento que ultrapassa uma determinada fronteira; por vezes simboliza também o raio de sol (por exemplo: as flechas de Apolo); é ao mesmo tempo símbolo da luz e do conhecimento; além disso, pode ter também um significado fálico; por isso na arte medieval, sobretudo na românica, o arqueiro relaciona-se em geral com a sensualidade e a volúpia (raramente com o deus punitivo); atribui-se a ele quase sempre um significado semelhante ao Centauro atirando flechas. Amor (Cupido) é representado geralmente com arco, flecha e aljava, disparando as flechas do amor.
No hinduísmo e no budismo, a sílaba “Om” significa uma flecha que parte do homem, subentendido como arco, atravessa a ignorância e atinge o Ser sublime e verdadeiro; por outro lado, Om pode significar também o arco do qual parte a flecha do Eu em direção ao absoluto (Brahma) com quem se quer unir. Atingir o alvo com arco e flecha de forma não intencional é uma conhecida técnica japonesa de meditação (kyudo) que visa a liberação da vontade própria, ligada ao Eu. Práticas semelhantes encontram-se também no islamismo10.
O arco e a flecha aparecem em diferentes tradições, com representações muito semelhantes: o arco representa firmeza, vontade e determinação; a flecha simboliza o pensamento que se eleva ao infinito em busca do eterno conhecimento, a libertação; o alvo, a Sabedoria, a luz, a imortalidade. O arqueiro que aponta seu arco para um alvo distante, nos remete para uma longa viagem rumo ao conhecimento, é a representação de uma meta, uma abertura ao Universo. É preciso ter os pés firmes no chão, pensar com a cabeça e agir com o coração.
O arco e a flecha representam o plano espiritual e consciente, com os quais o arqueiro busca sua “estrela”. São símbolo de coesão, da união entre o terrestre e o celeste, do real e do ideal, do consciente e do inconsciente, do instintivo e do racional, da matéria e do espírito, do humano e do divino. No fundo, simboliza a nossa parte terrestre que almeja a nossa parte celeste11.
Referências:
1. Escola de Curimba. Aldeia de Caboclos. Disponível em: http://www.aldeiadecaboclos.com.br/aldeia.php. Acesso em 03 set. 2012.
2. Dicionário de Arte Sacra & Técnicas Afro-Brasileiras. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=rTl_dU-_lmIC&pg=PA160&lpg=PA160&dq=b…. Acesso em 03 set. 2012.
3. Dicionário de Termos e Expressões da Música. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=cL6zQ9vAUwkC&pg=PA247&lpg=PA247&dq=p…. Acesso em 03 set. 2012.
4. Música na educação infantil: propostas para a formação integral da criança. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=dQUI4OQfk8YC&pg=PA78&lpg=PA78&dq=pau…. Acesso em 03 set. 2012.
5. CHEVALIER, Jean e Gheerbrant, Alain. Dicionário de Símbolos, 7ª edição, José Olympio Editora, 1982, p. 392-393.
6. RAMOS, Rafaela Meneses. OKÊ, CABOCLO! Um estudo etnográfico sobre a dança do caboclo na Umbanda. Monografia de Conclusão do Curso de Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2004.
7. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org. Acesso em 09 set. 2012.
8. Espaço Místico. Disponível em: http://www.mistico.com/p/cigano/punhal.html. Acesso em 09 set. 2012.
9. Caravana Varekai. Disponível em: http://caravana-varekai.blogspot.com.br/2010/01/punhal-simbolo-cigano.html. Acesso em 09 set. 2012.
10. Dicionário de Símbolos. Por Herder Lexicon. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=CUq7VOeyshAC&pg=PA22&lpg=PA22&dq=arc…. Acesso em 09 set. 2012.
11. Instituto Pandavas. Disponível em: http://www.institutopandavas.org.br/pandavas/o-arco-e-a-flecha.html. Acesso em 09 set. 2012.
12. Disponível em: http://umbanda7.blogspot.com.br/2010/07/o-arco-e-flecha.html. Acesso em 09 set. 2012.
13. Dicionário de Percussão. Por Mário D. Frungillo. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=qRG0tBCsdQAC&pg=PA77&lpg=PA77&dq=Ind…. Acesso em 03 set. 2012.
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