Entrevista Velha do Cemitério
O relato a seguir é fruto de uma entrevista realizada na gira de Quimbanda de 5 outubro de 2009, no Terreiro do Pai Maneco.
Gira de Quimbanda sempre envolve uma emoção a mais. A gente já sente, na espinha, como vai ser o trabalho da noite ao levantar. Já na saudação a S. Omulu, o coração bate diferente. É uma energia muito próxima da nossa, uma linguagem que nosso corpo entende.
Chegam exus e pombas giras. Vêm abrir caminhos, escutar, tratar e cuidar de quem precisa. E ainda há quem duvide de sua intenção e sua sabedoria. O texto abaixo pretende, justamente, enfrentar essas opiniões.
Este relato, uma aula de sabedoria e humildade, foi todo retirado de uma entrevista com a Velha do Cemitério, entidade muito conhecida e respeitada da Quimbanda, e minha avó querida. Espero que todos gostem.
Caroline Lipca Fernandes
Eu sou a Velha do Cemitério.
E é a Velha do Cemitério que escolhe quem entra e quem não entra.
Então, além de cuidar dos mortos, eu sei quem manter vivo.
Magia
O homem desde que é homem e a mulher desde que é mulher, ambos praticam a magia. Mas a magia foi praticada principalmente como subsistência. A magia era praticada pra caça. Filho, não existia culinária. Ninguém comia por comer. As pessoas comiam para se nutrir daquela energia. Os homens já tiveram a telepatia, mas perderam. E agora esse é o resgate. Para que a humanidade não só acredite, porque acreditar é fácil. Mas para que a humanidade passe a praticar essas percepções que não são as que os filhos estudam na escola, sabe? Talvez num futuro mais próximo as crianças já estudem isso no colégio. Por que é só com essa afinação dos sentidos que o homem vai poder acreditar que ele é a imagem de Deus, sabe? Mas pra isso nós temos que vir assim mesmo, né? Porque não adianta a gente falar só com os que sabem, a gente tem que falar justamente com os que não sabem. Esse é um dos papéis que eu exerço. Porque assim filha, como na vida, cada um tem várias atribuições. Então você pode ser chamada pra falar do que estuda, do que trabalha, do que faz. Estou falando pra você dessa minha função específica.
A Umbanda
Por mais que as pessoa digam que não, a Umbanda só cresce. E a Umbanda é do solo que se pisa. A Umbanda é brasileira. Agora estão retomando as questões da importância do Brasil no plano espiritual ocidental, que é pra isso que nós temos trabalhado todo esse tempo. Pra tirar de vocês as mazelas de um cristianismo politizado e imbuído pela busca do poder sem, contudo, comprometer a imagem crística – porque ele foi um ser de luz que veio. Por isso que ele é Oxalá, por isso que ele é Omulu no espelho. É aí que nós estamos trabalhando.
Leis da Umbanda
A Umbanda tem uma lei maior, que é a lei do amor. A partir da lei do amor, os espíritos vão colocando cada um na sua casa, do jeito que eles sabem que para aquela determinada comunidade vai ser mais fácil o exercício do amor. Por isso há tanta diversidade dentro da Umbanda. Porque o amor, em sua essência, é emanação. Em conceitos humanos, ele é acima de tudo respeito, humildade, sabedoria, doação e generosidade.
As leis da Umbanda, como as leis terrenas, também são transformadas de acordo com o grau em que as pessoas se encontram. Então, se a lei da Umbanda hoje é essa, daqui a 50 anos o que vai permanecer da lei é o exercício do amor e da caridade. As demais leis são feitas para se adequar a cada situação terrena específica.
No começo da Quimbanda, tinha um monte de exus. Mas acontece que exu não gosta de obedecer. Então precisava de uma velha muito velha pra mandar neles. Aí tem eu, filha. Eu ajudo e cuido deles. Quando eles precisam, é no meu ponto que vêm buscar energia.
Quimbanda
Os homens têm que entender o espírito da irmandade. Os exus não são nada diferentes da Fraternidade Branca. Isso também não se comenta muito, mas nós somos uma fraternidade a serviço da Umbanda. A Quimbanda sempre à serviço da Umbanda, essa é a lei.
Esse tipo de transmutação metafórica tem que se aprender a fazer. Porque a função, principalmente da Quimbanda, é de dar o entendimento para vocês. Parte do entendimento, né, senão vocês vão achar que estão todos loucos. Porque os orixás estão tão lá em cima, e se ficarem na vibe deles vocês desconectam da Terra. E nós viemos aqui porque nós somos os exus que fazem a Umbanda pé no chão.
Sobre ser exu
Nós, exus, somos uma egrégora.
Eu sinto a maior honra de trabalhar como pomba gira. E sabe porque, filha? Porque eu gosto de sentir como vocês sentem. E não que isso seja maior nem menor. Eu não acredito – posso estar enganada -, mas eu não acredito que algum dia vão deixar de precisar do nosso serviço. E com todo o respeito que eu tenho, eu gosto de ser exu. Eu gosto de ser exu em tempo integral.
O trabalho dos exus
Os exus até hoje são mal-interpretados. Mas o que nós sabemos é que somos os mais parecidos com vocês, que são filhos de Deus. E sendo parecidos com vocês, que são filhos de Deus, nós também somos filhos de Deus. Nós também aprendemos com os filhos.
E exu trabalha a energia da terra, assim como todos os orixás. Mas o exu é o caminho dos orixás, é ele que faz a ligação, que pega a filha e faz a filha falar com o orixá. Eu gosto de dizer que nós estamos numa posição privilegiada porque os filhos precisam da gente e os orixás também. Porque os orixás estão tão lá em cima que sem nós eles não conseguem se fazer perceptíveis para os filhos. Aí os filhos teriam que estar muito em paz, em tranqüilidade, levando uma vida que não é a vida urbana. E nós gostamos da civilização, sabe? Agora, essa é a nossa roupagem. Aqui, nessa terra, nessa época. Mas as encarnações da gente são muito pregressas. A minha, né, filha?
O exu que trabalha na encruzilhada é o exu que vai definir, vai proteger, vai orientar o filho, “vai pra lá, vai pra cá”. Nós, que somos do cemitério, dizemos “não adianta vir pra cá, nem ir pra lá, porque não tem por onde escapar”.
A Velha do Cemitério
Eu sou realmente um espírito muito antigo. E não que os espíritos sejam mais novos ou mais antigos, mas o meu ciclo de convívio na terra é um ciclo de convívio razoavelmente grande e que me torna apta a compreender as dificuldades do ser humano. Então, eu quero mesmo é voltar pro lugar do exus. Eu quero ficar é nessa metáfora que é o cemitério. Porque o cemitério é uma metáfora, é uma metáfora do desuso, da saudade, do culto a aquilo que não se tem mais. É uma metáfora das nossas próprias origens. E é daí que eu sou, das origens. As origens, assim como o cemitério, elas são insondáveis, não dá pra saber nem como começou, nem como vai terminar. Então uma das provas de que a coisa não vai terminar sou eu, porque ninguém sabe onde a coisa começou.
Vocês são, como muitos outros, a luz da Terra. A luz que desceu para a Terra.
O planeta e os homens
Pisar nesse chão já deveria ser mais que suficiente para você entender que você está pisando em uma terra sagrada. Toda Terra é sagrada. Mas nesse chão, nós estamos trabalhando para que os filhos reconheçam que a Terra é um ser vivo. E eu garanto pra você: não tem um brasileiro que não tenha tido uma benção de um preto velho, uma ajuda duma benzedeira. Até os que tenham vindo pra cá dos países chiques. E nós temos que equilibrar. E desculpe tocar nessa questão, que não é muito falada, mas nós temos que equilibrar, aqui na América do Sul, o excesso de materialismo que tem na América do Norte.
Nós trabalhamos o tempo inteiro para o equilíbrio da Terra. E vocês pisam numa terra que tem uma ancestralidade muito pura e muito próxima.Vocês não se dão conta por que vocês moram aqui. O sagrado aflora da terra. Essa é a energia que a gente trabalha. A energia do corpo como aceitação de que o ser humano também é um animal. Porque este vínculo não pode ser perdido nunca. Vocês fazem parte desse organismo. E os desequilíbrios que acontecem são causados quando vocês acham que já chegaram na luz.
Porque a luz é um objetivo, mas é um objetivo infinito. O ideal é que se mantenha a ordem cósmica, pois é óbvio que nós trabalhamos também em outras esferas. E quando fala-se de outras esferas, fala-se tanto das esferas imateriais que circundam o planeta Terra, como outras esferas materiais que são os espelhos da terra – que são os outros planetas, onde outras vocês também gostam de mim. É sério. Porque a idéia do Universo é a idéia da célula. Então não tem porque os filhos ficarem com medo de acabar o mundo, de ficarem achando que o mundo está se autodestruindo por que são ciclos. E esse ciclos são necessários para a humanidade se compreender como uma.
Ser umbandista
Nós, exus, mostramos que as encruzilhadas são as veias de vocês, é a circulação – que é o que o umbandista tem que praticar. Porque não adianta ser umbandista no terreiro e sair dizendo que á católico. O papel maior é fora do terreiro, porque vai levar a vibe por onde anda, por onde caminha, levar a nossa luz. E aí nós vamos atrás de vocês, catando os que tem que ser cuidados, que tem que ser protegidos porque tem um papel importante – ou não, porque importante também é relativo.
O Pai Maneco é o que eu mais conheço como luz. Ele é luz que se comunica conosco, é o que eu vejo mais próximo do amor. Por isso o Pai Maneco é a lei.
Terreiro do Pai Maneco no astral
Filha, eu vou tentar explicar pra você: os desencarnados, desencarnam. Aí, se viesse todo mundo pra cá não ia ter cavalo que chegasse. Então o que é que se organizou? Se organizou uma corrente de desencarnados para atender a assistência dos desencarnados. E esses filhos do Pai Maneco, principalmente o S. Geraldo – que chamou o Andir, outro amigo dele – obtiveram a permissão de organizar um trabalho em que continuam tratando do processo mediúnico dos desencarnados. Tanto os que eram da gira e desencarnaram, quanto os que entraram para a gira já desencarnados. Explico, filha: você tem alguém muito querido que desencarnou. Você reza, pede ajuda. Esse alguém pode entrar para a gira dos desencarnados para atender a assistência. E aí a assistência é uma coisa mais de imantação energética. Forma-se uma energia de luz desse grupo de desencarnados que tem as guias, aí os espíritos mais leves vão se chegando e vão compondo essa assistência. E eles vão ficando melhores, como nessa assistência aqui de vocês, dos encarnados. É tudo muito parecido filha, só que sem a carne, com outra densidade, com outra leveza.
Eu tenho o pé na lama, eu tenho o pé nas caveiras Porque eu conheço o passado e eu não tenho medo dele.
Energia
Os filhos nunca prestam muita atenção nas coisas que a gente diz, né? Mas a gente sempre aconselha a não freqüentar lugares pesados. Essas coisas de balada.
Vocês que estão sendo purificados o tempo inteiro às vezes pegam umas coisas pesadas que nos dão muito trabalho para tirar. Isso não deixa de ser uma caridade, porque vocês vêm aqui, nós temos que ajudar. Mas, pra vocês, seria muito melhor uma vida sem fumo, sem carne, sem droga, sem exageros emocionais. Mas isso é a perfeição. E também nós não vamos ficar no pé de vocês porque é bom uma festa, né?
Eu gosto da moçada que fala vibe porque eles não tem noção de como isso é verdadeiro. Eles falam meio de brincadeira, mas o que importa, filha, principalmente pros desencarnados, que não tem a carne, é a vibe.
Proteção
A proteção é uma coisa engraçada. A proteção tem tudo a ver com a vibe.
Tem uns filhos que já nascem bem protegidos, e tem os filhos que ainda têm que aprender tanto a pedir proteção como a se proteger. Porque os espíritos que vêm proteger, eles vêm ensinar você a futuramente se proteger. Porque a maior parte dos problemas que os filhos enfrentam são problemas gerados por sua própria ignorância diante de determinada situação.
E mais do que proteção, vocês têm que pensar em vulnerabilidade. Porque a proteção só vai existir quando algo ou alguém está vulnerável.
E não tem melhor jeito de aprender do que aprendendo. Então às vezes, quando o filho acha que não está sendo protegido, é quando ele está mais aprendendo. Mas que a proteção existe é inquestionável. E a proteção existe também pro ladrão, que tem de dar de comer pros seus filhos.
Eu digo pra você que sou protetora de muitos foras da lei. Porque a lei da Terra é uma coisa esquisita. A falta de equanimidade dos bens materiais gera uma série de atitudes que não aconteceriam se as pessoas tivessem as mínimas condições de vida. Mas, por outro lado, as pessoas que têm as melhores condições de vida têm maiores problemas. Filha, sabe porque é bom ser exu?
Porque nós exploramos esse mistério dos homens. E pra nós ainda são misteriosos. Por isso que a gente ainda vem aqui, pra conhecer cada um de vocês. Porque aí eu sei que você quer minha proteção, quer que eu esteja perto de você. Você pede minha proteção, eu te dou. Isso parece aquelas coisas de mafioso, só que vocês não tem noção do que é a escuridão. Porque a Terra é magnífica. A escuridão na Terra é uma escuridão boa, é a escuridão dos ciclos da Lua. A escuridão do plano astral é uma escuridão com sofrimento. Por isso vocês não se assustam tanto quando a gente diz que tem que fazer o que é certo, porque vocês não tem noção do que é o sofrer sem carne. Por isso que a Terra tem que ter sofrimento, filha. Por que se os filhos não sabem o que é o sofrimento, não sabem o que é a alegria.
Carma
Isso é uma coisa que a Maria Conga fala e que eu aproveito dela.
A Terra durante muito tempo era um planeta de expiação. Hoje considera-se que o planeta Terra é um planeta escola. Então é assim: você está na escola e tem que fazer um trabalho, mas você não faz. Tem que fazer o ano de novo. E se você não estuda, você não passa e tem que fazer tudo de novo.
Isso é carma, filha?
Não, isso é o passo que você tem que cumprir e não conseguiu cumprir ainda. Isso, filha, faz parte do aprendizado. E você tem que fazer de novo não porque você é ruim, mas porque você não tava pronto ainda. Entendeu?
A noção do carma para os povo orientais é muito bem compreendida. Para os povos ocidentais que ela veio substituir o castigo celestial. Então, o que a Velha não quer que aconteça é que se pense o carma como castigo, mas que se pense o carma como aprendizado. Como uma lição, sabe? Aí quando se aprende a lição, passa de ano.
Destino
O destino do homem deve ser a luz. Este é o destino comum a todos.
Mas, filha, a luz só existe porque existe a escuridão. E essa questão do destino, eu tenho dificuldade de entender. Porque os filhos só conseguem pensar no destino de uma vez só em cada encarnação. Só que o destino dessa encarnação é o fragmento dessa encarnação, a lição dessa encarnação. E aí entra no problema da diferença de você com carne e você sem carne. Por isso que os filhos se tornam vegetarianos, para ficar sem carne no corpo pra ver como é.
O que eu quero dizer, filha, é que há uma dificuldade em equilibrar livre arbítrio e destino. Muitas vezes o livre arbítrio é confundido com permissão pra fazer burrada. E muitas vezes o destino é confundido com carma. Então, por enquanto, é importante que os filhos pensem que o destino de cada um é a luz, porque aí fica mais fácil de enfrentar as dificuldades. E aí fica mais fácil vocês entenderem que o destino é uma junção de forças cósmicas que procuram trabalhar na luz. Porque o destino pode se cumprir nessa encarnação, pode se cumprir na outra. E o que pra vocês é o destino, pra nós é a somatória dos aprendizados.
Porque o destino é um destino só, de cada indivíduo. Mas eu garanto pra vocês que aqui, em todas as encarnações, vocês vão encontrar pessoas que estão em busca do mesmo destino. Aí tem que saber não se deixar levar pelo egoísmo, que é a fonte do ciúme, né? Porque ciúme é egoísta, a posse também é egoísta. E a sem-vergonhice também. Então a hora em que as pessoas tiverem consciência da seriedade de uma relação, aí vai ficar fácil.
Demanda
A demanda, a grosso modo, é a junção de uma energia negativa que se dirige pra um lugar, a uma pessoa. É fruto desses sentimentos impuros que ainda residem na gente. A demanda ela pode ser deliberada, com o uso da magia, ou ela pode ser inconsciente – por isso não se pode condenar. Porque na Terra, infelizmente, todo mundo demanda. Salvo raras exceções, de espíritos elevados.
Só o fato do seu namorado sair com outra e você ficar com raiva dela, já faz você demandar contra ela. Sabe? O moço tenta te provocar ciúmes, a mulher nem sabe e você já tem raiva dela. Você está demandando contra ela, você está mandando uma energia de medo seu pra ela. Entendeu?
O gato quando sente medo se eriça, o polvo solta tinta, o leão ataca e o homem roga praga!
Disso os orixás não tem mais compreensão, porque eles já passaram disso. Mas nós temos, porque nós somos de matéria. Uma matéria que não é do mesmo agrupamento molecular do de vocês, mas que não deixa de ser matéria. É uma matéria mais diáfana. Mas nós também sentimos isso. Nós também sentimos tristeza. A tristeza é uma coisa terrível. A tristeza é a demanda que pegou. Então quando você ficar triste, manda embora, porque alguém está curtindo essa parte.
Quiumba e trevoso
O trevoso é aquele que não quer a luz, aquele que tem fobia de luz, que é fotofóbico. Já o quiumba é aquele que não sabe o que fazer. E quando você não sabe o que fazer, tem sempre um outro pra te mandar fazer coisa errada. Por isso que os quiumbas vem, cada vez menos, mas vem, porque nós cuidamos deles.
Vou explicar pra você: se tivesse alguém pra lavar nossas roupas, seriam os quiumbas. Porque um dia eles também vão estar no lugar da gente. O quiumba pode se transformar num exu. O trevoso vai levar mais tempo, sabe? Porque a transformação é mais intensa.O quiumba, podendo ser ajudado, ele gosta, porque não é fotofóbico. Ele é quase como um órfão de pai e mãe que não sabe entender como é a força do amor.
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