A India e a Mãe de Santo
Tudo na Índia é ritualística e percorrendo suas ruas, entre vacas e macacos, Sadus queimam incenso e com incenso benzem, abençoam, defumam várias vezes ao dia.
A Lucilia, mãe-de-santo em nosso terreiro foi às Índias. Ela relata em um texto uma experiência incrível, cheia de poesia e magia, além de transmitir a quem o lê a sensibilidade de quem está vivendo em mundo com uma visível parceria com o mundo invisível. Eu tinha uma opinião sobre o povo indiano e que mudei radicalmente quando a Lucilia falou: “o povo indiano não liga para a matéria porque só pensa no espírito”. Bem, adiante vai o que ela escreveu e três belíssimas fotos que documentou seus personagens. – Fernando Guimarães
A India e a Mãe de Santo – Em 2003 fui à Índia com uma equipe formada pela Tereza Freire (roteirista), Vadico (cinegrafista) e Pedro Kubffer (mestre Ioga) fotografar os caminhos sagrados da ioga. Minhas experiências com a ioga foram algumas aulas que duraram poucas semanas.
Nosso destino eram templos sagrados no Norte da Índia, região do Himalaia. Caminhos percorridos a pé e de mula nas altas montanhas nevadas. Os homens indianos, depois de criarem seus filhos, tem o direito de abandonar a família e casa, para serem andarilhos. Desapegados e vestidos apenas com um pano, percorrem os caminhos que Shiva fez pregando paz e exercitando a espiritualidade.
Já tinha ouvido muitas histórias da Índia, mas o que eu encontrei lá foi mais que esperava. Ficamos nos ashrams, que são casas de estudo de ioga – locais inclusive que os Beatles viveram uma temporada.
Tudo na Índia é ritualística e percorrendo suas ruas, entre vacas e macacos, Sadus queimam incenso e com incenso benzem, abençoam, defumam várias vezes ao dia. Nas casas não faltam altares com comida, flores e oferendas. No final da tarde todos se dirigem ao “Puja”, tipo de oferenda com flores amarelas, perfume e barquinho feito de folhas que estão a vendas por toda beira do Ganges. Este ritual podia ser igual ao da Umbanda, com a diferença que este amalá tem hora marcada.
Um dia, afastada do grupo, caminhava pelo Himalaia e encontrei dois homens que apesar de suas vestimentas, eram sagrados. Durante o meu percurso deparei-me diversas vezes com eles, não falávamos a mesma língua, mas com gestos e sorrisos fizemos amizade. Perguntei se podia fazer uma foto. Eles sentaram e fizeram uma posição de ioga. Só quando cheguei ao Brasil, soube que aquele gesto dizia para eu não ter medo.
Isto é a Índia: paz, simpatia, ioga e fé.
Outra passagem que não esquecerei foi quando passamos por uma cachoeira de água quente. Fazia mais de vinte dias que não tomávamos banho sem ser de água congelada e ali estava a oportunidade de nos banharmos com nossos caprichos brasileiros. Enquanto a água nos banhava, ouvi um chamado. Olhei para o lado e um homem com cabelos até o chão me chamava para sentar ao seu lado. Durante uma hora trocamos palavras em inglês, até que cantarolei a música:”Lá em cima daquela pedreira, tem um livro que é de Xangô”. Eu então lhe perguntei: “O senhor tem um livro”, ele gentilmente respondeu: “venha até a minha casa”.
Meus companheiros não quiseram me acompanhar, mas mesmo assim, segui aquele homem sem nenhum receio. Paramos em frente a um buraco que meu corpo mal cabia, mas quando entrei fiquei completamente vibrada. Sua caverna tinha o chão branco e no meio uma fogueira com flores roxas em volta. Havia centenas de coisas penduradas como imagens, pedras, panos. Fiquei horas conversando não sei em que língua, mas um diálogo totalmente espiritual. Sua pulseira era de osso e sua roupa um saco de estopa.
Fomos interrompidos para eu seguir viagem e já no jipe (nosso transporte então), me afastando eu o avistei com um cajado de pedra nas montanhas do Himalaia. Segui feliz, eu havia encontrado Xangô e criado meu sincretismo da Umbanda com o Hinduismo. Namastê! Sarava!
Lucilia Guimarães
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