O Encanto dos Orixás – belíssimo texto de Leonardo Boff
Quando atinge grau elevado de complexidade, toda cultura encontra sua expressão artística, literária e espiritual.
Mas ao criar uma religião a partir de uma experiência profunda do mistério do mundo, ela alcança sua maturidade e aponta pra valores universais. É o que representa a Umbanda, religião, nascida das matrizes da mais genuína brasilidade, feita de europeus, africanos e indígenas.
O nome Umbanda é carregado de significação. É composto de OM (o som originário do universo nas tradições orientais) e de BANDHA (movimento incessante da força divina). Sincretiza de forma criativa elementos das várias tradições religiosas de nosso país, criando um sistema coerente.
Privilegia as tradições do Candomblé da Bahia por serem as mais populares e próximas aos seres humanos em suas necessidades. Mas nãs as cria como entidades, apenas como forças ou espíritos puros que através dos Guias espirituais se acercam das pessoas para ajudá-las.
Os Orixás, o Rompe Mato, o Sete Flechas, a Cachoeira, a Jurema e os Caboclos representam facetas arquetípicas da Divindade. Elas não multiplicam Deus num falso panteísmo mas concretizam, sob os mais diversos nomes o único e mesmo Deus.
Este, se sacramentaliza nos elementos da natureza com nas montanhas, nas cachoeiras, nas matas, no mar, no fogo e nas tempestades. Ao confrontar-se com estas realidades, o fiel entra em comunhão com Deus. A Umbanda é uma religião profundamente ecológica. Devolve ao ser humano o sentido da reverência face as energias cósmicas.
Renuncia aos sacrifícios de animais para restringir-se somente ás flores e á luz, realidades sutis e espirituais.
Há um diplomata brasileiro, Flávio Perri, que serviu em embaixadas importantes como Paris, Roma, Genebra e Nova York, que se deixou encantar pela religião da Umbanda. Com recusros das ciências comparadas das religiões e dos vários métodos hermenêuticos, elaborou perspicazes reflexões que levam exatamente este título: “O Encanto dos Orixás”, desvendando-nos a riqueza espiritual da Umbanda. Permeia seu trabalho com poemas próprios de fina percepção espiritual. Ele se inscreve no gênero dos poetas místicos como: Alvaro Campos (Fernando Pessoa), Murilo Mendes, T.S. Elliot e o sufi Rumi. Mesmo sob o encanto, seu estilo é contido, sem qualquer exaltação, pois é esse rigor que a natureza dos espíritos exige.
Além disso, ajuda a desmontar preconceitos que cercam a Umbanda, por causa de suas origens nos pobres da cultura popular, espontaneamente sincréticos. Que eles tenham produzido significativa espiritualidade e criado uma religião cujos meios de expressão são puros e singelos revela quão profunda e rica é a cultura desses humilhados e ofendidos, nossos irmãos e irmãs. Como se dizia nos primórdios do Cristianismo que, em sua origem, também era uma religião de escravos e de marginalizados:
Os pobres são nossos mestres, os humildes, nossos doutores”
Talvez algum leitor estranhe que um teólogo como eu, diga tiudo isso que escrevi. Apenas respondo:
Um teólogo que não consegue ver Deus para além dos limites de sua religião ou igreja não é um bom teólogo. É antes um erudito de doutrinas. Perde a ocasião de se encontrar com Deus, que se comunica por outros caminhos e que fala por diferentes mensageiros, seus verdadeiros anjos. Deus desdobra de nossas cabeças e dogmas.
email enviado para a Mãe Lucília por Leonardo Boff
Lucilia:
Obrigado por suas palavras generosas. O artigo recebeu boa acolhida e muitos me agradeceram o texto pois, penso, desfaz muitos preconceitos. Participei várias vezes, anos atras, de sessões em Niterói e fiquei sempre muito impressionado.
Com meus melhores votos, pois vocês mantem a chama sagrada da espiritualidade que está dentro de cada um e fazem suscitar a energia divina e universal nas pessoas.
Com minha profunda comunhão com você e os seus
lboff
Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, em 14 de dezembro de 1938.
É neto de imigrantes italianos da região de Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.
Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos em 1959.Cursou filosofia em Curitiba/PR e Teologia em Petrópolis/RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique/Alemanha em 1970.
Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano.
Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Braisl e exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).
Em 1984, em razão de suas teses ligadas á Teologia da Libertação, apresentadas no livro “Igreja: Carisma e Poder”, foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, ex Santo Ofício, no Vaticano.
Em 1985, foi condenado a 1 ano de “silêncio absequioso” e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a presão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades na cadeira de Galilei Galileu.
Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou ás suas atividades de padre e se auto promoveu ao estado leigo. “Mudou de trincheira para continuar a mesma luta” continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do estrangeiros, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Sem Terra e as comunidades eclesiais de base (CEB’s), entre outros.
Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award).
Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da
maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos “netos” Marina , Eduardo, Maira, Luca e Yuri.
É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística.
A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.
Site oficial de Leonardo Boff:
www.leonardoboff.com
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