O Jardineiro Misterioso
É maravilhoso saber que a Umbanda considera a existência desses seres encantados, ampliando o universo invisível em evolução junto com o nosso visível.
Eu estou com 9 anos. O ano é 1966 e minha vida é perfeita. Tenho muitos amigos, em especial o Leopoldinho e o Epitácio. Um louro, um negro e eu um “quatro olhos” por causa dos óculos.
Era bom demais. Andar de bicicleta, jogar bola de gude, soltar pipa, tomar banho na piscina, fazer música com bateria de latas de cera, tomar picolé de groselha, conhecer todo mundo na cidade, andar em cima dos muros e telhados das casas, comer frutas colhidas por nós mesmos. Tudo era felicidade.
O quintal da minha casa era uma verdadeira chácara dentro da cidade. Meu pai chegou a manter uma pequena granja naquele espaço. Eram pés de laranja de 3 ou 4 qualidades, limão, goiaba, figo, fruta do conde, parreiras de uva, mamão, pêssego, jabuticaba, melancia, abacate e muito mais. Além dos canteiros de hortaliças e também os canteiros com as flores que minha mãe apreciava.
Precisávamos de vários funcionários domésticos e acabava que eu não sabia quantas pessoas trabalhavam lá em casa.
Durante um tempo me chamou atenção um jardineiro muito mal humorado que cuidava dos canteiros de flores. Nunca o vi falar com qualquer pessoa e nem me respondia quando eu lhe perguntava alguma coisa. Sempre me olhava estranho.
Achava engraçado aquele gorro vermelho que ele usava, sua barba muito branca e o jeito como fumava seu cachimbo rústico. Usava umas roupas velhas que pareciam ser sempre as mesmas.
Um dia vi que o canteiro estava muito bonito.
Lindas margaridas vicejavam com suas enormes pétalas brancas com aquela coroa amarela no centro. Não resisti. Pensei naquelas histórias de fazer um pedido -acho que queria um caminhãozinho de madeira- e comecei a arrancar as pétalas, entre um sim e um não para saber se ia dar certo.
Aconteceu que não obtive a resposta que eu queria ao despetalar a primeira margarida. Não tive dúvidas! Ajoelhei-me de novo no canteiro, peguei mais uma e comecei a buscar o “SIM”, única resposta que me servia.
Todavia, antes que eu cometesse mais alguma violência contra aquelas flores, o jardineiro do gorro vermelho apareceu de repente ao meu lado. Levei um susto, pois não sabia de onde surgira. Olhei para ele com raiva, pois eu sempre detestei levar susto. Quando fui resmungar ele me olhou com mais raiva ainda e disse que se eu continuasse a machucar as flores do seu canteiro ia me capar!
Aos 9 anos já sábia o significado da palavra capar. Fiquei apavorado. Saí correndo e fui reclamar do velho com a minha mãe.
Mamãe me surpreendeu dizendo que não havia um jardineiro com essa descrição em nossa casa. Fiquei indignado e pedi a ela que viesse comigo para eu lhe mostrar o velho que sempre estava lá cuidando do jardim. Minha mãe até me acompanhou, mas de fato não havia mais ninguém lá.
Fiquei confuso. Descrevi detalhadamente o velho para minha mãe, mas ela disse que nunca alguém com aquela descrição haviam entrado em nossa casa. Aí eu fiquei com medo e não quis levar a história à frente, pois se meu pai achasse que era mentira, o castigo não compensava qualquer boa história. E quem iria acreditar em mim se minha própria mãe não acreditou?
Durante muito tempo fiquei vigiando o jardim para tentar flagrar o velho ameaçador. Nunca mais o vi, mas também nunca mais mexi naquele jardim e respeito muito até hoje as flores e a natureza (no fundo acho que ainda tenho medo que ele venha me capar!).
Depois de muitos anos, fui visitar um casal de amigos que retornava da França, após um 30 dias de férias.
Nossa conversa foi animada pelo relato deles sobre toda a beleza da cultura, dos castelos, da vida moderna na França, da força da sua democracia, as lindas paisagens e etc. Considerando que estávamos no ano de 1982 com o Brasil ainda sob o jugo da ditadura militar, tudo que ouvia era fascinante, especialmente as diferenças culturais e tecnológicas existentes entre os países.
Num dado momento da conversa eles resolveram mostrar as compras que fizeram. Entre elas estava um livro com lindas gravuras de duendes e gnomos. Qual não foi meu espanto!
Logo na capa do livro, destacava-se o maior de todos e que era exatamente o meu antigo jardineiro, aquele que ia me capar!
É maravilhoso saber que a Umbanda considera a existência desses seres encantados, ampliando o universo invisível em evolução junto com o nosso visível. Tenho a certeza da existência desses seres, como temos das Ondinas de Iemanjá que tanto nos ajudam, bem como que para o crescimento espiritual precisamos respeitar a vida e a natureza. Afinal em cada espaço em nossa Terra pode existir outro LAR que nossos olhos nem sempre percebem.
Quanto a mim, jamais direi para uma criança que Papai Noel não existe, pois no Natal daquele ano eu ganhei o meu caminhãozinho!
Paulo Braz
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