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Fernando de Ogum: um pai de santo musical

por Leonardo Guimarães

Pai Fernando passaria fome se dependesse de cantar. Cantava muito mal. Entretanto, tinha um ótimo ouvido musical, além da notável facilidade para compor pontos de Umbanda. Compor não é a palavra, pois o que ele fazia era “ouvir” os sons e letras espirituais e transportá-las para o nosso mundo audível.

A música de Umbanda é uma arte própria e singular. Um ponto não é uma cantiga simplesmente, mas uma intervenção espiritual, seja de  evocação ou de louvação. É uma arte que envolve, para além do que se vê ou ouve, vibracão e movimento de energias. Para se compor um ponto, portanto, é preciso aliar mediunidade e musicalidade ao mesmo tempo, o que certamente requer um dom próprio. O de Fernando era impecável.

Sabia encontrar as intensidades e cadências adequadas que o ponto cantado tem que ter para reverberar certo na espiritualidade, para ativar corretamente as forças espirituais.

Babalaô recebeu do alto inúmeros pontos cantados que hoje compõem o acervo musical das giras do terreiro Pai Maneco.

Conto um caso: certa vez estávamos reunidos na casa de pai Fernando quando ele identificou um espírito presente. Era Sr. Exu Sete da Lira, que solicitara um ponto cantado para ser identificado nas giras. Pai Fernando sabia que o espírito intuiria um dos presentes, então solicitou que todos se reunissem na sala ao lado para se concentrar nisso. Eu preferi ficar com ele aguardando o resultado. Dalí meia hora o pessoal voltou da força-tarefa sem ponto cantado nenhum. Pai Fernando sorriu e entregou-lhes um papel com a letra recebida por ele mesmo, que eu anotei e cantei com a melodia que fizemos juntos ali, tomando um café sossegadamente.

Outro ponto muito bonito foi o do Caboclo Areia Branca, que Pai Fernando nos transmitiu assim, fluidamente, direto da “rádio Aruanda”:
Oxum/ Quando canta na beira do rio/ faz o peixe ciscar na areia/ É o Caboclo da Areia Branca quem traz o ouro pra minha Senhora/ É o Caboclo da Areia Branca quem traz o ouro pra minha Senhora, aie ieô!

Mais do que compor, o velho sabia encontrar as intensidades e cadências adequadas que o ponto cantado tem que ter para reverberar certo na espiritualidade, para ativar corretamente as forças espirituais. Várias vezes ele demonstrou a importância das sutilezas do canto de Umbanda durante as giras. Um bom exemplo era quando a Engoma acelerava demais a velocidade nas chamadas de Iansã. Ele ficava bravo e mandava arrumar na hora. Então, quando acertava a intensidade ideal, saía caminhando por entre dezenas de ondinas incorporadas a girar. Era impressionante! Elas desviavam dele por centímetros sem perder o balé mágico que executavam, mesmo nas médiuns que tinham os olhos fechados.

Eu poderia contar outras muitas histórias como essas, muitas mesmo. Como no dia em que uma médium tentava receber Caboclo Juruá sem sucesso. Ela já estava lá há uma meia hora, sofrendo até, mas parecia que o cocar do índio tinha engatado ou coisa assim. Pai Fernando então me chama e diz:

Pai Fernando então me chama e diz:
– Léo, você está vendo a dificuldade daquela médium receber Sr. Juruá?
– Sim, estou vendo sim.
– Por que isso está acontecendo?
– O ponto não está na frequência certa?
– Exatamente. Você poderia cantá-lo da forma correta?
– Creio que sim.

Eu sabia que Sr. Juruá prefere suavidade e que esse índio espalha flores quando chega no terreiro. Cantei com o coração e deu certo, a
médium incorporou que foi bonito.

Mas o que de mais importante esse careca fez não foram pontos cantados. Ele fez algo muito, mas muito maior. Fernando Macedo Guimarães,
admirações à parte, deu um novo tom para a Umbanda, e isso ele fez através, principalmente, da música. Qualidade musical, alegria e força mântrica finalmente unidas, brotando como eloquências de nossa fé. O filho de Ogum tirou o ranço geral, como se leu no jornal, e o povo do
axé agradece! Saravás!

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