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Psicanalise da Religiosidade: O Marketing da Intolerância ou de como a Iurd Oprime a Umbanda

PSICANALISE DA RELIGIOSIDADE:
O MARKETING DA INTOLERÂNCIA
OU DE COMO A IURD OPRIME A UMBANDA
Prof. Dr. Sidney Nilton de Oliveira

A religiosidade, a Iurd e o capitalismo

As formas de opressão e recalque da cultura de um grupo ou mesmo do patrimônio imaterial de um povo se instituem e se reproduzem na mesma proporção que conseguiam sufocar a religiosidade do oprimido, interditá-lo simbolicamente e destituir seu imaginário. É quando o opressor cala a palavra que representava o sagrado de um povo que a dominação atinge o seu ápice. É quando quer intervir no imaginário do outro e interditando a autoria de suas ilusões e influenciando em suas subjetivações.
No Brasil, a religiosidade sempre desempenhou um importante papel em nossa história, desde a descoberta passando pela colonização, as religiões trazidas pelos europeus ou praticadas pelos índios, e mais tarde, pelos que aqui chegaram por vontade ou pela força dos grilhões (OLIVEIRA 2012; BIRMAN, 2003).
Ao longo de sua história a complexa e plural religiosidade do povo brasileiro foi um dos continentes para a formação e expressão da identidade nacional e, muitas vezes veículo de opressão e domínio das religiões hegemônicas e do poder político especialmente sobre a cultura popular.
Nos inumeráveis períodos de autoritarismo, a religiosidade e as próprias religiões eram tomadas como valiosos aliados ou perigosos inimigos. Entretanto, é necessário ressaltar, que foram pouquíssimos os momentos em que a religião foi uma vítima inocente usurpada em sua cândida intenção. O que de fato se destaca é um pacto consciente ou não, entre muitas igrejas e o Estado brasileiro.
Apesar dos incontáveis avanços dos tempos democráticos o poder econômico regulou de algum modo a aproximação ou o distanciamento entre a religião e o Estado. Não foi diferente nas últimas décadas do século XX quando o neoliberalismo instituiu e estimulou as mais diversificadas relações com o campo religioso que, apesar do fracasso de seus ideais de felicidade, deveriam de algum modo garantir a reprodução ideológica e a manutenção da sociedade de classes.
Apoiado no fim da história e na inoperância das utopias progressistas, o projeto neoliberal resistia reforçando sempre a relação do “ter” sobre o “ser” e nomeando o ideal do consumo como acesso a felicidade e a realização existencial. Havia condição de o campo religioso voltar a ocupar um lugar de destaque nesse cenário desde que superasse o desgaste do catolicismo conservador ou do protestantismo clássico e sufocasse de vez a crítica das teologias libertadoras ou progressistas.
As velhas contradições entre capital e trabalho não eximiram a sociedade neoliberal de suas intermináveis crises políticas, econômicas e sociais. Mesmo os projetos mais ambiciosos que propagavam o fim da história e das ideologias libertárias não davam conta de explicar o crescimento da miséria e da violência nos grandes centros urbanos (OLIVEIRA, 2012). As instituições neopentecostais perceberam a chance, mas só uma delas conseguiu arrebatar o valioso parceiro chamado capital…
Embora as igrejas neopentecostais preguem literalmente uma inversão da lógica “ter ao invés de ser”, na prática, elas reforçam essa lógica capitalista, e a justificam por meio de passagens bíblicas ou por exemplos altruístas. A Iurd justificou e capitalizou essa estratégia como raras igrejas fizeram (ALMEIDA, 2009; OLIVEIRA 2012).
Em trabalho anterior (2012) afirmamos:

[…] Muitas instituições religiosas souberam perceber de que lugar era mais privilegiado falar para ser eleita a ilusão escolhida para consolar um sujeito melancólico e com um enorme vazio em seu colo. Deixaram de queimar os manuais de psicologia e de comunicação social e, depois de isolarem sua práxis, os tornaram instrumentos de seu sucesso e perpetuação. Ao abandonarem amadorismos e limitadas estratégias empíricas essas instituições religiosas sentaram a direita do trono dourado do capital de fato, as últimas décadas só elucidaram a valiosa contribuição que a mercantilização do sagrado trouxe a exploração do homem pelo homem. A nova guerra santa deveria ser dirigida agora as religiões críticas e emancipadoras e inexoravelmente enraizadas na cultura dos oprimidos […].

Esta citação permite entender porque foi conveniente ao Estado brasileiro em muitos períodos de sua história incentivar ou até mesmo financiar as religiões que justificassem suas limitações com a justiça social ou as suas ações de repressão e desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa. Essa é também uma via que permite apreender a razão que aparece em diferentes períodos da história brasileira em que se produziram inúmeros exemplos de intolerância religiosa.
Todo esse cenário tornou viável o acordo tácito entre o capitalismo de Estado e o capital da fé. É essa perspectiva que toma pra si o tratamento e a solução dos problemas humanos e ser assim redentor até mesmo do consagrado mal-estar habilmente descrito nas teses freudianas e descrito agora em novas dimensões e oferecendo o sujeito da angústia à ilusão de evitá-la ou curá-la pra sempre.
Como foco principal dessa tendência, a tentativa de diluir o sujeito e sua subjetividade peculiar no engodo neoliberal de um sistema e de uma sociedade que daria conta da angústia humana, se apresentando como sendo a solução para aquele sujeito, como cantado por Raul Seixas :

[…] Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Prá ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos…
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco […]

Ao mesmo tempo em que bota fé em ser uma das ferramentas de enfrentamento e de solução para o mal-estar da modernidade, a Iurd ainda culpa a Umbanda por boa parte da origem ou prevalência desse mal-estar.
A capitalização dessa angústia é possível porque a Iurd toma pra si os “portos ” onde o projeto neoliberal naufragou e onde ainda atracam os desejos mais íntimos na modernidade e que foram cooptados pelo messianismo neopentecostal. Os mais desavisados são atraídos pelo canto da sereia ou e crêem que ali encontraram a cura do mal-estar da modernidade. É nesse transe que se dão as subjetivações esfaceladas e incompletas, mas ilusoriamente reunidas em um “nó” religioso.
O preço a ser cobrado pela comunhão dessa ilusão é a ruptura do sujeito com a singularidade e o estranhamento das diferenças. A crítica é esvaziada ou ocupa um lugar estrangeiro onde por repressão ou recalque pouco há por fazer. E o campo religioso é convocado sempre que o argumento ideológico ou moral não dá conta. Mas é preciso que a religião invocada esteja em sintonia com esse projeto opressor.
Segundo BIRMAN (2003: p. 286):

[…] A religiosidade que permeia a sociedade brasileira desde sempre assume na atualidade uma dimensão gigantesca nas classes populares, nas quais as formas messiânicas de salvação buscadas ardentemente pelas massas diante do quadro catastrófico do gozo perverso usufruído pelas elites à custa dos corpos das classes populares. Portanto, se o Estado e a sociedade brasileira não reconhecem os direitos básicos de cidadania das classes populares, estas vão buscar com volúpia nos deuses a possibilidade de serem reconhecidas como sujeitos […]

Embora essa condição possa ser estendida para muitas religiões, especialmente as neopentecostais, é na Iurd que é percebida de maneira categórica. É quando a cultura (capitalista) privilegia as subjetivações a partir das trocas simbólicas convenientes que a sociedade neoliberal passa a esvaziar os signos originais que os sujeitos compartilhavam, (re) significando as suas matrizes culturais para internalizarem os signos ou os conteúdos privilegiados pela palavra ou ideologia hegemônica e que de algum modo recalcam a pulsão agressiva.
Relatamos em trabalhos anteriores (2009, 2010, 2011a, 2011b, 2011c e 2012) a origem desse movimento no Brasil. Localiza-se uma base mais consistente ao final da década de 70, onde todo cenário religioso, político e econômico estava em ebulição, pois o lento e contraditório processo de redemocratização do país constituía um continente de incertezas, esperanças e temores, típicos das épocas de grandes transformações políticas e sociais.
Não foi ao acaso que justamente ao final dessa década surgiram diversas igrejas novas, especialmente a Iurd. Tomando carona na expansão pentecostal sentida especialmente na segunda metade do século XX, a Iurd foi fruto de diversas rupturas e alianças de instituições e missões pentecostais nacionais ou vindas do exterior. Décadas depois a Iurd elegeu algumas concorrentes neopentecostais como sua terceira frente de batalha, depois das religiões afro-brasileiras (especialmente a Umbanda) e a Igreja Católica.
Ao converter-se em representante do desejo, a Iurd funde-se com ideologias favoráveis aos seus dogmas e, ao mesmo tempo, assume também um protagonismo de combate ao mal-estar e aos grandes dramas humanos.
Para justificar essa posição, era preciso instituir subjetividades criativas e, sobretudo, elásticas o suficiente para dar conta das angústias mais pontuais. Era preciso um imaginário onipotente que transcendesse ao máximo mesmo que a lógica fosse absurdamente contrariada.
Ronaldo de Almeida descreveu esse processo com maestria (2009: p. 131-132):

[…] A Igreja Universal promete mais que o Estado e a medicina podem proporcionar. A cura milagrosa da AIDS, a cura do câncer sem sofrimento e a cura de outros males são respostas oferecidas à aflição do fiel diante da dor e da morte. Tudo isso é alardeado de forma espetacular nos jornais, nos templos, rádios e televisão […] O desemprego, a miséria, a crise familiar – novamente os problemas que afligem o cotidiano das pessoas, principalmente das camadas mais desfavorecidas da população – são quase sempre de origem maligna. Além disso, o diabo é um ser cultuado por outras religiosidades, mais especificamente as afro-brasileiras […].
O Estado e a sociedade assistem a tudo isso atônitos. Embora sejam muitas vezes casos de saúde pública, a ignorância, a conveniência ou a culpa pelos anos de autoritarismo faz com que pouco se avance nesse território. A democracia e a liberdade religiosa ou de opinião, jamais irão sobrepor ao bem comum, pois deste são signatários.
Por tudo isso, evitar ou solucionar o drama humano, especialmente o fracasso pessoal ou profissional – colocados em simulacros especiais no discurso da modernidade – eram o grande trunfo ao lado da defesa da família nuclear burguesa e da defesa da propriedade privada. A construção de uma ética Iurdiana está evidentemente colada ao neoconservadorismo retomado pela sociedade neoliberal.
Decifrar os códigos neoliberais e os rearranjos da elite facilitava a edificação de projetos mais ambiciosos que colocasse determinadas religiões na posição messiânica de salvação da felicidade e realização pessoal.
Essa estratégia se erguia a partir de uma estruturação empresarial que investisse significativamente em publicidade, propaganda e marketing dirigidos ao público externo e interno das instituições neopentecostais.
Ou, como descreve BIRMAN (2006: p. 75):

[…] O desamparo, convertido agora em desolação e masoquismo leva as subjetividades irresistivelmente para a busca frenética de quem os salve das misérias do mal-estar e que lhes possa oferecer alguma forma de proteção possível diante da ausência de um efetivo legislador […]

A profissionalização e a modernização da mídia religiosa tornaram-se vitais para o sucesso dessa mudança que exigia um crescimento político e econômico de seus pares. Isso não significou o abandono da antiga panfletagem, mas uma diversificação de estratégias, formas e linguagens.
A grande ilusão patrocinada pelo pacto Estado – Igreja era juntar a esperança de prosperidade econômica com o reconhecimento social e com a promessa de uma remontagem e salvação do antigo modelo familiar. Esse processo foi e ainda é possível porque no projeto neoliberal contemporâneo se intensificou também a massificação das identidades e identificações, reforçando desde muito cedo a acomodação da pulsão agressiva.
Mas o sucesso dessa empreitada foi melhor edificado quando se abandonou muitos dogmas arcaicos ou antigas certezas e passou-se a colar a religiosidade – especialmente a neopentecostal – com a hegemonia de uma nova ética e estética do mercado nacional e internacional.
As igrejas que ampliaram o número de adeptos foram aquelas que entenderam a urgente necessidade de criar uma escuta ativa e flutuante para conhecer quem era seu consumidor e que mudança exigia para fidelizá-lo.
Essa perspectiva não só se confirmou, mas com as contradições sociais e econômicas se tensionando passou a ser vital para a sobrevivência das igrejas que nas últimas décadas viveram da chamada “crise da fé” ao retorno triunfal de deus diante do “fracasso” da modernidade.

O marketing Iurdiano e sua opressão
A promoção artística dos pastores e padres cantores e das marchas e festivais gospel recolocaram a fé na ordem do dia e viabilizaram o produto religioso como atrativo ao mercado consumista. Revitalizada pelo marketing e repaginada para o consumo em massa, o catolicismo carismático e neopentecostalismo Iurdiano, para citar dois exemplos de sucesso, passaram a sustentar-se como a solução para o mal-estar da modernidade.
A Iurd foi uma das que mais se destacou nesse crescimento ao aliar sua competente leitura de mundo e de público potencial, ao enfrentamento das religiões concorrentes e a divulgação de sua ideologia com o mínimo de distorções possíveis (ALMEIDA, 2009).
Exatamente por isso que a Iurd, mais que outras igrejas neopentecostais, investiu na chamada “tecnologia comunicacional” para que pudesse dar conta de conhecer e atrair seu público-alvo com toda sua diversidade e heterogeneidade.
A sustentação dessa estratégia precisou inicialmente ser constituída por um nicho muito especial da sociedade. Era preciso fidelizar sujeitos que enfrentassem com obstinação e paixão as resistências e ataques das instituições religiosas ou políticas contrárias.
Evidentemente a aposta recaiu sobre a camada mais oprimida e, portanto mais pobre e com menos escolaridade que estava distanciada do catolicismo hegemônico, mas tinha em seu imaginário traços ideológicos dos valores fundamentais do cristianismo, evidentemente branco e europeu.
Com o tempo e com a necessidade de ampliar mercado para avançar em seu impacto sobre a sociedade, a classe média também passou a ser alvo do marketing neopentecostal. Por isso que embora os sermões nos ritos, os jornais e panfletos ainda fossem valiosos era preciso ampliar essa base de sustentação incluindo o rádio, a televisão e, recentemente, a internet.
Feito a fidelização a Iurd passou a investir no chamado endomarketing que em poucas palavras pode ser entendido como um marketing interno especializado. Isso se traduz no cuidado com toda dinâmica interna da instituição, o que significa uma ética e uma estética não só ideologicamente favorável, mas instituída exclusivamente para isso.
Não por acaso, o leitor pode estar se recordando das tecnologias contemporâneas de gestão e de maximização da performance. Dos pastores, passando aos obreiros até atingir os fiéis, o endomarketing objetiva manter e aprimorar a fidelização. Era preciso, portanto se identificar com a ideologia Iurdiana.
Mais do que vestir a camisa da Iurd essa técnica quer atingir um grau de identificação máximo possível do Iurdiano com sua igreja, o que ao final da década passada alguns teóricos das escolas japonesas de administração denominavam fator kaizen, ou, em outras palavras, conscientização e comprometimento.
É nessa retórica recalcante que a vanguarda neopentecostal, especialmente a Iurd, tem elaborado e executado seu projeto político. De acordo com as metas, as mídias ou o público-alvo se escolhe o modelo a seguir. Isso é possível porque seus fundadores transitaram por diferentes instituições religiosas e foram mapeando as rotas mais interessantes pelo imaginário brasileiro.
A seleção e ordem das matérias de um telejornal, os projetos sociais, o sermão emocionado de um pastor ou os panfletos distribuídos em praças, embora completamente distintos, cumprem uma ampla e articulada estratégia persuasiva objetivando atingir em diferentes direções as metas políticas estabelecidas.
Apesar da diferença de signos e de público-alvo há uma ideologia comum que atravessava essa tecnologia persuasiva se adapta de acordo com seu público. Pois, repetindo a consagrada “receita” dos grandes tiranos um inimigo comum deveria ser eleito. Esse inimigo comum seria capaz de unir os diferentes públicos contra as religiões afro-brasileiras, brasileiras ou espíritas, com um destaque especial a Umbanda.
Nessa linha ressalta-se a colocação precisa de Eduardo Refkalesky (2006, p. 3-5):

[…] O ponto central da estratégia da Igreja Universal é combater frontalmente a Umbanda. Nem mesmo as outras denominações do Pentecostalismo, como a Assembléia de Deus e a Igreja da Graça, privilegiam tanto a Comunicação contra os umbandistas. Se a estratégia da Iurd pudesse ser resumida em uma frase, seria o mencionado “posicionamento contra a Umbanda”. […] O que a Universal faz é manter essas mesmas características da Umbanda na doutrina e na prática. Porém, faz um juízo de valor entre o trabalho “bom” (feito pela própria Iurd) do “mal” (feito nos terreiros). A Comunicação da Iurd, portanto, apresenta um discurso de aceitação da existência deste mundo mágico, típico da Matriz Religiosa Brasileira. Com isso, não se opõe às crenças da maioria da população do País, como havia feito o protestantismo tradicional. […] Portanto, o inimigo frontal de Macedo é a Umbanda. Toda a Igreja foi estruturada para esta “guerra santa”.

Um dos recursos de apoio mais eficazes é o que se consagrou intitular como “demonização” que se apropria de signos que carreguem conteúdos afetivos, cognitivos ou políticos aversivos ou temidos e os colam ao que se quer destituir. Feita a associação esses signos compartilham a angústia esvaziando a incorporação original desse universo.
Reiteramos ainda neste trabalho a tese que o clímax de uma aculturação ou da imposição de um sagrado hegemônico sobre outro é a intolerância. É neste processo que a opressão se faz mais além da repressão. É por meio do recalque e pelo impedimento da ética e da estética de determinadas subjetivações que se impede a representação simbólica.
Quando não há um símbolo onde marcar sua história também não há como apropriar-se de seu significado e, conseqüentemente, não há identificação com a própria cultura. E é sem sua cultura que o sujeito definha e a palavra se cala.
Ao longo do último século, a história ocidental mostrou que por maior e mais bélico que fosse o poderio de um povo invasor, estrangeiro ou não, os povos oprimidos ou subjugados resistiram quando sua cultura sobreviveu.
Toda opressão impede a crítica capaz de transformar e viciar a circulação da palavra aos lugares que não permitem dar conta do conflito e da contradição. Com o retorno da religião às grandes mídias, patrocinado pelos fracassos capitalistas e pelos grupos moralistas criou-se a atmosfera ideal para ir além da captação e fidelização de seguidores, mas por meio disso foi possível viabilizar um imaginário sustentável aos interesses das igrejas neopentecostais e do Estado capitalista.
É por meio desse processo que se mantém os símbolos que apresentem o cristianismo neopentecostal como o veículo estratégico de enfrentamento das angústias e do mal-estar da contemporaneidade. O desgaste da mídia religiosa na segunda metade do século XX foi, aos poucos, solucionado pelas religiões hegemônicas. A novidade maior foi trazida, inicialmente, pela Iurd que foi colocar a tecnologia comunicacional segmentada e acumulação patrimonial como bases de sua expansão.
Investindo intensivamente nos sinais e nos signos mais temidos no imaginário social hegemônico instituiu-se a intolerância ao diferente que passa a ser temido e perseguido. Tal simbologia, assim como a peste, é trazida pelo estrangeiro. Ou, dito de outro modo, quando não é possível colar uma estrela no uniforme se aponta uma pemba ou um ponto riscado como simulacro do mal.
É nessa condição que se constitui ou se institui a base ideológica, axiológica e, principalmente psicológica da maioria dos fundamentalismos atuais, ou, segundo BAIRRÃO (2010: p 159-160):

[…] as manifestações de intolerância são confissões de impotência perante o cunho evanescente e diáfono das epifanias e são tentativas frustradas de se fixar numa determinada forma de representação desabitada do divino, já esvaziada de presença. Esse raciocínio geral, teologias à parte, é útil para situar os vários fundamentalismos, irmanados numa raiva e descontrole contra a realidade sutil e dinâmica do sagrado, que lhes escorrega pelas mãos […]
Nessa dinâmica que o sagrado que vai desaparecendo, inclusive economicamente, que aprimorou e especificou a demonização militante, passando a incluir também as subjetivações culturais ou folclóricas que não se enquadravam nos códigos morais, religiosos ou normativos da sociedade “Iurdiana”. As ações culturais de vanguarda, sobretudo as emancipadoras e centradas nas subjetividades oprimidas, passavam a ser consideradas malditas e depreciadas das mais diferentes maneiras.
É nessa direção que o recalque se estabelece por meio do constrangimento simbólico do sagrado do outro e da ideologização das formas particulares de subjetivação. Em artigo anterior (OLIVEIRA, 2012) exemplificamos esse ponto com a vergonha que muitos umbandistas têm de assumir sua crença e de “bater a cabeça” para seus orixás, conformando-se com gestos discretos e “adaptações” de sua cosmologia e de seus ritos.
Colocando esse universo como encarnação do grande mal a ser combatido com força e fé cria-se a atmosfera ideal para que a repetição contamine os significantes e justifique toda intolerância instituída a partir daí. Ao colar o demônio na Umbanda por meio da quimbanda deposita nessa religião todo mal-estar que a Iurd não consegue dar conta. É nesse ponto que as raras alianças com outras igrejas ou instituições rivais foram estrategicamente interessantes.
Embora muitos estudiosos revelem pesquisas que demonstrem o crescimento da Umbanda na sociedade brasileira (OLIVEIRA, 2011a, 2011b e 2012) esse crescimento tem oscilado em termos quantitativos e ainda carecem de força política em muitos grandes centros urbanos. Há exceções e grandes cidades como Curitiba, Porto Alegre e São Paulo, pra citar três exemplos de significativos avanços no combate a intolerância e a liberdade da religiosidade, mas mesmo nestas cidades uma busca nas ocorrências policiais registradas apontará insistentes episódios de intolerância e preconceito.
O estado de direito e a criminalização dessas ações não tem sido suficientes para garantir a liberdade de fé, ora pela impotência, ora pelas alianças do Iurd e de outras igrejas com o Estado ou com seus aparelhos ideológicos ou de seguranças. A invasão de um terreiro em Jaraguá do Sul (SC) pela PM catarinense é só um dos inúmeros exemplos.

Conclusão

A “teologia da prosperidade” solidificou uma ética capitalista dentro do sagrado e consagrando uma aliança estratégica entre a fé e o capital. O boom neopentecostal foi possível por diversos fatores, sobretudo por uma agressiva política de captação de fiéis descontentes com as igrejas tradicionais e num continente inflacionado pelas contradições econômicas e sociais do neoliberalismo e da impotência de sua cultura com os desejos e os dramas humanos. Em uma sociedade do espetáculo, marcada por uma ética hedonista e consumista o risco de um aventureiro arrematar a coroa sempre foi questão de tempo…
A Iurd foi fruto de pastores experientes e de tentativas anteriores de construir uma hegemonia no neopentecostalismo nacional e se edificou sempre muito atenta aos problemas enfrentados pela corrente majoritária do catolicismo conservador e pelo protestantismo clássico, fez do marketing – interno e externo – sua ferramenta estabilizadora e, posteriormente expansionista, tendo como foco inicial sua intolerância a Umbanda e, ao mesmo tempo, se candidatando descaradamente a ser a solução divina para as impotências neoliberais frente ao mal-estar do sujeito. Ambicionava a Iurd em ser o veiculo institucional que bancaria a negação da falta e a incompletude do sujeito e, ao mesmo tempo seria a que traria a recompensa ao sujeito.
Olhando mais de perto, as ações de marketing da Iurd têm sido marcadas pelo desmonte do patrimônio imaterial e cosmológico umbandista e pela afirmação de sua ética messiânica. Anexada a essa tendência as eficientes políticas de arrecadação e investimentos têm proporcionado o capital necessário a essa política. E como o capital gera capital, os negócios da fé são expandidos e vão cada vez mais se especializando.
O exemplo mais evidente disso é o lugar de desonra foi destinado à quimbanda, ou a esquerda da Umbanda. Uma das missões do marketing é sustentar a difamação de Omulu ou a distorção do significado genuíno dos Exus e das Pombas Giras.
A tecnologia de um marketing recalcante objetiva inicialmente interditar o simbólico a ser combatido objetivando com isso destituir o imaginário e oprimir a produção de subjetividades. Atuando nessas duas frentes é capaz de crescer seu bolo enquanto destituiu aquele que ousa seguir uma receita diferente.
Como se debateu nos diversos fóruns em que esta questão foi apresentada, o marketing Iurdiano vai mais além de uma interferência nas crenças e nos ritos umbandistas, pois sua ação se institui por meio do recalque radical do simbólico e do imaginário, objetivando o desmonte de sua identidade por meio da interdição do sagrado. Este processo visa o desmonte de dois dos pilares fundamentais de uma cultura.

Referencias
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BAIRRÃO, José F. M. Tolerância e Intolerância Religiosa numa Perspectiva Psicológica in MANOEL, Ivan e ANDRADE, Solange. Tolerância e Intolerância nas Manifestações Religiosas. UNESP: Franca, 2010.
BIRMAN, Joel. Mal-estar na Atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Civilização Brasileira: Rio de janeiro, 2003.
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OLIVEIRA, Sidney. A demonização neoconservadora do Exu e sua utopia libertária: reflexões psicanalíticas, comunicação oral apresentada no VII Congresso Nacional de Filosofia Contemporânea e III Congresso internacional de Filosofia da Psicanálise, PUCPR, Curitiba (2009): publicação do texto completo inédita.
OLIVEIRA, Sidney. Psicanálise e Umbanda: A demonização do exu como interdição simbólica e intolerância religiosa. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, Set. 2010: Florianópolis (2010): 1-11.
OLIVEIRA, Sidney. Psicanálise e Intolerância Religiosa: A interdição do simbólico e o recalque do sagrado da Umbanda. Anais do GT História das Religiões e das Religiosidades, outubro de 2010, UFSC: Florianópolis (2011): 1-10.
OLIVEIRA, Sidney & BIANECK, Desirée. A (re) Elaboração da Morte na Umbanda: Reflexões Psicanalíticas. Revista História Agora, número 11, São Paulo, (2011b): 30-46.
OLIVEIRA, Sidney: O lugar do sofrimento na Umbanda e a cultura do hedonismo na contemporaneidade: Reflexões Psicanalíticas. Capitulo de livro – Anais da 40ª. Semana de História e do II Encontro Regional do GT de História das Religiões e das Religiosidades – de 01 a 04 de novembro de 2011 na UEPG, Ponta Grossa (2011c): 1367-1384
OLIVEIRA, Sidney. Psicanálise e Intolerância Religiosa: A retórica da Demonização da Umbanda ou de quando se acha feio o que não é espelho – comunicação oral – GT Marketing Religioso no XIII Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões e das Religiosidades, junho de 2012, UFMA: São Luiz, (2012): no prelo.
RUUTH, Anders; RODRIGUES, Donizete. Deus, o demônio e o homem: o fenômeno igreja universal do reino de deus. Colibri: Lisboa, 1999.
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