UM PONTO CANTADO: DE SETE DA LIRA PRA SETE DA LIRA
UM PONTO CANTADO: DE SETE DA LIRA PRA SETE DA LIRA
Sempre me peguei pensando quais os motivos e critérios que uma entidade usa ao escolher um determinado médium pra trabalhar num terreiro. Talvez a resposta chegue com o tempo, talvez só numa próxima vida. Enquanto isso vou, na minha infinita ignorância, e como neófito na Umbanda, refletindo cá com os meus botões. A meu ver o espírito nos escolhe por afinidade. Seja pela personalidade, pelos gostos, pela história ou pelo carma a ser pago, tanto por ele quanto pelo médium. E é aqui que começo esse depoimento que é apenas a sombra de uma ligação muito especial.
Desde que me conheço por gente sempre gostei de cantar. Antes cantava no chuveiro, após adentrar o mundo do teatro passei a soltar a voz ainda que timidamente nos palcos da vida. Lembro-me que com 20 ou 21 anos decidi que teria uma banda. Acabei não sendo cantor, saí do teatro, enveredei por outro campo de atuação profissional, mas a música nunca saiu de mim. Estudei por anos canto, violão e teclado. Os dois últimos nunca despertaram muita paixão em mim. O primeiro? Ah o primeiro! Eu não conseguia deixar de cantar e tomei gosto por compor. Passei a escrever músicas atrás de músicas nunca deixando o meu “rock star” interior morrer.
Aportei no Pai Maneco munido de fé e muita empolgação, eu ainda estava na assistência assinando as 7 giras, mas lembro como se fosse hoje do Pai Beco na sua habitual conversa com a corrente antes do início dos trabalhos convidando os médiuns que tivessem interesse em ajudar nos atabaques e samba. Recordo-me que ao ouvi-lo o primeiro pensamento que me veio à cabeça foi “É ali que quero estar, no samba”. E foi o que aconteceu, pelo menos no início. Procurava ajudar sempre que podia nem que fosse um pouquinho até o momento que comecei a incorporar.
Até hoje mesmo não estando com o microfone em mãos encho meu coração de alegria ao cantar todos os pontos. E talvez esse amor pelo canto tenha acabado por unir esse médium que vos fala com um Exu chamado Sete da Lira.
Em um dia num dia normal de trabalho saí pra lanchar, durante a caminhada comecei despretensiosamente a cantarolar ponto de Exu (alguns pontos grudam na mente). Parei na calçada esperando o sinal fechar e como um raio me veio uma intuição. Peguei o celular e registrei para não correr o risco de esquecer. Não sabia se aquilo era tudo ou só uma parte. Por via das dúvidas anotei e não me preocupei em terminar. Lanchando veio outra intuição e outras modificações no texto que eu havia escrito.
Voltei para o trabalho e como aquele dia estava tranquilo resolvi abrir o site do TPM como de costume e, coincidência ou não, abri no jornal online numa matéria chamada “Um pai de santo musical” que contava dentre outras coisas a experiência de Pai Fernando na composição do ponto do Seu Sete da Lira. Sorri, apenas sorri.
Naquela mesma noite fui ao terreiro fazer uma entrega para os Exus. Após sair de lá tive outra intuição e a parte final do ponto me foi entregue. Fui pra casa e dormi. No dia seguinte como um gato assustado acordei num pulo com uma modificação que deveria fazer no ponto que estava intuindo.
Depois de alguns dias com sensações, intuições e inquietudes, decidi entrar em contato com o Pai Beco pra conversarmos. Ele me contou, dentre tantas coisas interessantes a respeito da Umbanda, que segundo a lenda Seu Sete da Lira teve uma encarnação recente como o cantor carioca Francisco Alves. Eu sou carioca e por mais que não faça sentido ou tenha algum significado relevante me senti ligado à entidade. Ao final da conversa então foi acordado que tentaríamos uma incorporação na próxima gira de Exu, que coincidência ou não, seria na próxima semana.
Chegado o dia estava ansioso. Tinha muitas dúvidas se a incorporação realmente aconteceria ou se eu ficaria com cara de pastel diante dos outros. O que me tranquilizou de certa forma foi a reação de dois conhecidos médiuns meus. Em momentos distintos quando contei o causo e mencionei o nome de Seu Sete da Lira, eles se arrepiaram. Concluí que a entidade devia estar por perto. Não poderia ser coincidência ou coisa da minha cabeça.
Já posicionado no centro do terreiro e vibrando muito, Seu Veludo pediu pra tocar o ponto do Seu Sete da Lira. O que senti? Uma energia muito intensa. Lembro-me que ficamos curimbando/dançando durante muito tempo, até que nos acalmamos e afinamos a incorporação com a famosa mistura do café com leite.
Ao final da gira Pai Beco perguntou pra mim como havia sido e respondi “foi tudo bem”. Ele me disse na ocasião que com o tempo a incorporação se ajustaria e Seu Sete viria do jeito que era pra ser.
Após aquela noite, muitas giras aconteceram e preciso dizer que ser cavalo do Exu Sete da Lira nunca foi das tarefas mais fáceis. Principalmente quando, além de inúmeras dificuldades em saber como ele se portava e o que queria, vinha a dúvida principal: Será que eu realmente era o cavalo dele? E se fosse algo passageiro? E se fosse criação da minha cabeça? E sempre que eu me deixava levar pela descrença Seu Sete dava um jeito de puxar a minha orelha e mostrar que estava comigo.
Um dia eu sonhei que recebia um recado dele: “pode riscar meu ponto”. Acordei sem saber o que pensar. Questionava se eu era merecedor daquilo. Será que era tudo verdade? Ou não passava de imaginação? Como de costume liguei o computador e entrei no facebook. No link da gira de quinta uma médium havia postado uma frase “quem se doa ganha” (Caboclo Junco Verde). Essa frase teria passado batida se não fosse o nome do seu autor. No sonho coincidentemente ou não, o nome Junco Verde havia aparecido pra mim. Então naquele momento eu só podia pensar que estavam tentando me dizer algo, que o nome de Seu Junco Verde talvez fosse uma forma de ligação entre sonho e realidade, colocando a um palmo de distância do meu nariz que tudo realmente estava acontecendo.
Porém, como eu sou um cavalo xucro, ainda não estava totalmente convencido. E pensei “vou me consultar com um exu pra ele me esclarecer o sonho”. E lá fui eu em outra gira, que não quinta, pra me consultar. Decisão mais impulsiva eu não poderia ter tomado. Pai Beco conversou comigo e me explicou que essa conversa deveria ser com Seu Veludo por questões óbvias. Entendi o recado, o “puxão de orelha”, e me programei pra fazer isso na gira de exu que aconteceria na próxima semana.
Na referida data, após muito nervosismo estava lá eu frente a frente com Seu Veludo explicando toda a situação. Ele olhou pra mim e disse “vamos riscar o ponto?”, eu me assustei e respondi “agora?”, pois sinceramente não esperava uma resposta afirmativa e tão imediata da parte dele, pelo contrário, ele então devolveu algo como “algum problema?”, joguei de volta “claro que não”. Olhando pra mim pediu pra chamar Seu Sete. E lá veio ele. Sentou, riscou o ponto, passou pelo crivo de Seu Veludo e ouviu “agora firma no cavalo”. E lá foi Seu Sete da Lira trabalhar um pouco no meio antes de ir embora pra Aruanda. Quanto a mim? Apenas agradeci e sorri. Não sei o motivo por ter me escolhido nem seus planos daqui pra frente. A única coisa que sinto e penso é “honrarei seu nome e serei um bom cavalo a serviço da Umbanda e do bem”.
Obrigado Seu Sete pela confiança e por estar sempre por perto. Sua energia me impulsiona e me emociona.
Segue abaixo a ponto intuído de Sete da Lira pra Sete da Lira, afinal, eu sou apenas um instrumento utilizado pela entidade.
Saravá
Carlos Eduardo – Gira de Quinta – Pai Beco e Pai Gustavo
EXU SETE DA LIRA
O meu nome vem assim
Por notas musicais
À noite ao luar
Pego e toco o meu violão
Eu sou sete da lira
Eu sou exu dos bons 2x
O canto é minha arma contra o mal e sua legião
Eu quebro magia sem dó
Eu firmo corrente com fé (fá e ré)
Eu trago a luz pelo sol
E nada há de me vencer
Eu sou sete da lira
Eu sou exu dos bons 2x
O canto é minha arma contra o mal e sua legião
MEU DEUS QUE COISA MAIS LINDA.
Lindas palavras, caro amigo, estou emocionado.
Parabéns, parabéns e parabéns.
Também sou um cavalo da lira e me identifiquei muito.