fbpx

O Trabalho de Mata 4

O Trabalho de Mata 4

Sábado no Trabalho de Mata eu vi Pai Fernando. Não da maneira como eu gostaria de vê-lo, materializado no Terreiro, ou em uma visão espiritual como se meus chakras tivessem se aberto e eu passasse a ter o dom que ele exercia com maestria.
Eu vi o Pai Fernando dividido em cada um dos Pais ou Mães de Santo que estavam lá com a sua corrente. Cada um que foi batizado umbandista por ele ou por um de seus filhos carrega desde o seu amaci um pouco do seu desejo de formar uma religião de princípios cristalinos e cheia de alegria. Pai Fernando certamente esta muito feliz, sua corrente é muito bonita, a engoma é afinada finalmente e as sambas cantam com muito garbo. Os médiuns se soltam e deixam florescer as suas intuições como ele sempre quis. Foi difícil chegar até aqui, com certeza.
Sábado eu vi muitas crianças e adolescentes que estavam lá de branco, jovens universitários como eu era quando conheci Ele. Médiuns novos que acabaram de entrar na corrente sem nunca terem estado ao seu lado e que fazem exatamente aquilo que eu escutava Dele nas muitas vezes em que Ele projetava a Umbanda do futuro. Pai Fernando era um sábio, visionário, semeou um terreno fértil que hoje esta florido e cheio de plantas que curam os nossos males mais profundos somente com alegria.
Eu sinto uma ponta de tristeza toda vez que eu penso nos médiuns mais antigos que conviveram de perto com Ele e que se foram, ou que estão passando por momentos que eu respeito muito, alguns reavaliando seu caminho, ou os que por um motivo ou outro não estavam lá com a gente no sábado. Pra vocês eu conto que pisamos naquela grama verde até virar um barro fundo e macio. Aquele barro todo foi capaz de descarregar qualquer mágoa ou ressentimento que a corrente podia carregar. Foi só alegria. Quando eu lembro que estávamos lá no mato, com mosquitos, sol na moleira, batuques, borboletas passeando pelos amalás, beija flores e tudo mais, eu dou risada internamente. Muito legal estar lá e eu me sinto renovado para viver a Umbanda no meu dia a dia. Na dúvida voltem, por nós, melhor dentro do que fora.
Acredito cada vez mais que as festas, girões e os trabalhos de praia e de mata, onde todas as correntes estão juntas e podemos ver todos os Pais de Santo trabalhando, sob o comando sensato da Mãe Lucilia, são as melhores oportunidades para nos unirmos e cultuarmos a memoria Dele. Cada pai de santo tem um estilo de conduzir o seu trabalho, a sua engoma, de olhar pelos seus filhos. Somente neste tipo de trabalho podemos perceber como somos todos frutos do mesmo tronco. Como primos que se reúnem nos encontros de família, percebo o quanto somos muito parecidos e que precisamos manter viva essa união que nos aproxima do idealizador de tudo isso. Cada ponto cantado, cada ritual e a forma como ele é conduzido, quanto mais parecido for, quanto mais vezes isto for repetido por cada um em cada uma das correntes, mais fortes ficaremos. Ficamos fortes com a repetição, com a união. A forma de equalizar tudo isso são esses trabalhos grandes, parece óbvio mas demorei para perceber isso e realmente procurar essa integração. Que coisa linda aqueles amalás com um pouco do axé de cada filho que se preparou para ele e levou uma oferenda. Perfeito, tudo começou ali.
Sempre fui nesses encontros pensando em uma grande festa e em ficar na minha, cuidando da corrente. Hoje penso em integração com todos, em dar a mão pro médium da corrente de outro dia da semana e que eu nem sei o nome. Será que ele conheceu o Pai Fernando? Ouviu alguma história que serve como uma luva pros problemas que eu passo hoje? Eu tenho alguma coisa contar para ele? Certamente que sim, cada um de nós tem uma história guardada. Precisamos repetir a Umbanda que ele nos ensinou, baseados na tradição e de olho no futuro. Compartilhar e improvisar com a orientação dos espíritos fica sempre mais fácil, com uma corrente enorme ao nosso redor somos muito mais seguros. Nunca sozinhos, sempre de mãos dadas.

Pai Fernando sabia puxar o nosso arreio sempre que necessário, mas também muitas vezes nos deixava correr e ensinava a procurar o caminho dentro do próprio coração, ouvindo nossos guias. Levar bronca dele não era fácil, doía mais por ter deixado ele decepcionado do que pela bobagem que eu tinha feito e que hoje nem consigo mais lembrar direito o que era. Normalmente por ter optado pelo caminho mais fácil para alguma coisa, falado o que não devia, ou por ter tentado apressar as coisas e passar a frente dos espíritos. Algumas outras vezes por não fazer as coisas com simplicidade. Não existe caminho curto na Umbanda, pode parecer mais curto para alguém, mas é certamente porque percorreu um caminho maior antes de me conhecer. Aprendi tarde que tenho a vida inteira pra ser Umbandista, sem pressa.
Pai Fernando foi tão grande que ele precisou se dividir, esta um pouco em cada Pai ou Mãe de Santo, cada um com a sua forma de ver o mundo mas que respeita os princípios que aprendeu com Ele, sem deixar de se reconhecer quando esta ao lado do médium que acabou de entrar no último amaci.
É muito bom estar nessa corrente. É a maneira mais fácil de encontrar com o Fernandão.

Fernando Cecchetti
Gira de Segunda Feira.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.