SE EU QUISER FALAR COM DEUS
Por Pai Leonardo de Oxóssi
Gilberto Gil escreveu essa que, na minha opinião, é uma das mais importantes canções espiritualistas da nossa MPB. Eu era muito jovem quando ouvi “Se Eu Quiser Falar com Deus” pela primeira vez e o que senti foi uma forte melancolia. Entendi a profundidade da letra mas não queria que falar com Deus tivesse que ser assim, tão difícil e solitário.
Então o tempo passou e eu descobri a Umbanda, e com ela descobri que Gil, graças a Deus, estava errado. Errado não é bem a palavra já que certas conquistas da espiritualidade são mesmo pessoais e intransferíveis, mas, para todo o resto, o que a Umbanda nos oferece é o exato contrário: música, dança, amizade, encontro, alegria, amor, conforto emocional, e mais uma série de emoções positivas.
Além disso, ao invés de uma conversa isolada no tempo, nossa religião propõe um encontro sistemático com Deus, através dos orixás e dos guias espirituais que esses nos enviam. Digo sistemático por conta de as giras serem semanais, sendo certo que o caminho da Umbanda em tudo nos direciona para uma comunhão permanente com a inteligência divina, representada pelas entidades que, com o tempo, passam a habitar o entorno invisível de todo filho de Umbanda.
Não sou poeta mas resolvi fazer uma versão umbandista para a música de Gil. Uma letra mais condizente com a nossa maneira particular de falar com Deus. É uma brincadeira, é claro. Não levem a sério a proposta poética, somente o recado importante que há nela. Afinal, desde que as religiões naturais foram substituídas pelas teologias europeias, a busca espiritual do homem ocidental vem sendo tempestuosa e difícil tal e qual a letra original da canção. Em um mundo órfão das próprias tradições milenares, confuso por doutrinas religiosas que insistem em pregar o temor à Deus ao invés do amor à Ele, o que a Umbanda nos proporciona é algo, sem dúvida, muito, muito valioso. Saravá!
Ficou assim:
Se eu quiser falar com Deus
Não tenho que ficar a sós
Tenho que soltar a voz
E louvar os orixás
Tenho que folgar os nós
Sem sapatos, de alpargatas
E ir para gira, sem receios
Tenho que lembrar a data
Não perder as minhas contas
Ter a alma e o corpo ‘vestidos de branco’.
Se eu quiser falar com Deus
Tenho onde curar a dor
Tenho como cultuar Exu
Que o diabo amansou
Tenho que doutrinar o cão
Tenho que respeitar o chão
Do Terreiro, seus congás
E do invisível que eu suponho
Tenho que me ver risonho
Me beliscar porque não é sonho
E apesar desse bem tamanho
Levar uma vida comum.
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Com os Caboclos a me guiar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada (nova de Colombo),
Que ao findar vai dar em… A-r-u-a-n-d-a
Aruanda, Aruanda,
Aruanda, Aruanda,
Aruanda, Aruanda,
Onde espera meu Pai Oxalá.
*Adaptação livre da música de Gilberto Gil, cuja letra original é a seguinte:
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
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