É amor, e não pressão! por Rafaela M. Rocha
Era uma gira de desenvolvimento e falávamos sobre um capítulo de Grifos do Passado, sobre as dúvidas dos médiuns: comportamento no terreiro, hora de entrar e de sair da corrente, enfim, está tudo descrito lá no texto de Pai Fernando e naquele dia fizemos uma discussão a respeito. Ao final, nosso Pai de Santo, Pai Jussaro de Ogum, nos propôs que o exercício de desenvolvimento mediúnico daquele trabalho fosse mais livre. Uma incorporação sem a indução do ponto de linha, para que a energia fluísse e permitisse a incorporação da linha qual sentíssemos no momento, favorecendo a força da intuição e desapegando um pouco do ponto cantado.
Pois bem, nossos irmãos da engoma então fizeram um toque simples e leve nos atabaques, na corrente fechamos nossos olhos e nos pusemos à disposição dos espíritos. Quando a gente vai sentindo, mesmo de olhos fechados, que o pessoal ao seu lado começa a sair dali, abrindo espaço na corrente, eles estavam tendo suas experiências. Foi quando comecei a pensar: bom, Pai Jussaro pediu para a gente deixar fluir, pensar numa linha, num espírito e mesmo sem ponto cantado deixá-los chegarem para a incorporação, é quando a coisa dispersa um pouco (e isso acontece frequentemente comigo!) e eu me questiono se isso significava optar por um espírito em detrimento de outro, quer dizer: eu incorporaria o caboclo de Ogum, mas a Preta Velha também é tão especial e faz tanto tempo que não a “recebo”; o Erê, tadinho, ia querer vir; e o Boiadeiro, meu Deus, como eu poderia deixá-lo de lado? E os irmãos de corrente trabalhando, indo ao meio e tendo suas experiências e minha cabeça, ali, a mil sem poder fazer opção por um. Como assim escolher um? Seria impossível!
Em seis anos como filha de corrente no Terreiro Pai Maneco (o que não é muito tempo mas também não tão pouco) eu sou recorrente no questionamento da pressão pela incorporação. Que esse é o vetor principal do trabalho na Umbanda, então a gente TEM que incorporar rápido e bem. Rápido e bem, quando a urgência do trabalho na gira exige, aos mais experientes e, principalmente, para quem atende consultas no toco. Não em um trabalho de desenvolvimento, onde a gente está posto exatamente a serviço da evolução como médium, das sensações que cada incorporação proporciona e também sobre como cada espírito se apresenta e se comporta para ser trabalhado nas giras semanais.
Essa onda de pensamento dura poucos instantes, e em meio a isso eu começo a sentir um abraço energético tão bom. De olhos fechados uma luz azul clara começa a se formar ao meu lado, na altura dos meus braços, é morna e a intuição se comunica comigo me explicando que é óbvio que eu não estou escolhendo uma linha e desprezando as outras, que todas as entidades quais eu lembrei. E mesmo as que não lembrei no momento, estão ao meu lado naquela hora e sempre com muito amor, me embalando e acalmando também para alinhar minha concentração a fim de exercitar o proposto para a gira. Me mostravam que não existe pressão por desempenho, que não é uma corrida ou um campeonato, tampouco que estou esquecida para eles. Essas coisas que a gente pensa…é: quando a energia mágica que vem dos viajantes marítimos se aproxima de mim, alterando meus movimentos e minha feição, a ponta dos dedos se colocam na fronte e saímos pelo terreiro compreendendo ao menos um pouco desse amor gigantesco que está em toda energia que trabalhamos em nossa casa.
Rafaela M. Rocha
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