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POR ONDE CORRE A BANDEIRA DA AMIZADE? – Por Fernando Cecchetti

Certa vez, em meados da década de 1990 quando ainda estávamos lá na Faculdade Espirita e o Terreiro do Pai Maneco tinha pouco mais de 70 médiuns, Pai Fernando incumbiu um grupo de membros da corrente, do qual eu fazia parte, de realizar algumas visitas em outros terreiros de Curitiba em missão diplomática, e em nome da união entre os praticantes da religião. A tarefa era simples, ele determinou que fôssemos aos terreiros – que já deveríamos ter contatado antes por telefone – nos apresentássemos aos dirigentes em nome dele, pedíssemos licença para assistir o trabalho, e lá ficássemos até o final da gira, muito respeitosamente. Também que convidássemos o dirigente para visitar nossa casa se assim fosse de seu interesse.

Ele então me passou uma cópia em carbono de uma listagem datilografada com os nomes de muitos Centros de Umbanda, com endereços, telefones e nomes dos prováveis Pais-de Santo, e a incumbência de junto com a equipe, planejar prováveis visitas. Fui lá eu para o Google Maps daquela época – a boa e infalível lista telefônica – fuçar nos mapas da cidade para achar o caminho para alguns terreiros que procurava na listagem aleatoriamente. Depois falava com ele, que via a lista de sugestões com atenção e comentava sobre o que sabia deste e daquele centro, sobre a linha que poderia ser a dos dirigentes e sobre de quem eles descendiam na Umbanda. Quando achávamos que poderia ser uma visita valida, isto é, próxima de nossa forma de trabalho, eu ligava para o local e agendava a visita, quase sempre as sextas-feiras.

Naquela época não havia sites na internet, e os mapas eram realmente muito precários, os terreiros ficavam em sua maioria em ruas ermas de bairros afastados e a aventura já começava quando procurávamos o endereço. A euforia tomava conta da turma, sempre interessadíssimos sobre o que poderia nos aguardar. Perdoem-me se fui injusto e deixei alguém de fora, mas acredito que tenham ocorrido algumas visitas com Pai Beco, os saudosos Pai Geraldo e a Capitã Carmem Sílvia, Marilú, Deise, Gu, Léo, Éder, (respectivamente Pai Gustavo, Pai Léo e Pai Éder), Robinson Sanchez e Eu. Depois, nas noites de domingo, quando nos reuníamos novamente, conversávamos sobre nossa experiência, que ele ouvia com atenção e nos perguntava sobre detalhes, depois fazia seus comentários, muitas vezes nos explicando o que tínhamos visto e não entendido.

Visitamos terreiros tradicionais, alguns famosos na cidade, alguns muito pequenos ou muito pobres, e outros um tanto obscuros. Tivemos boas experiências e outras, nem tanto, talvez um pouco distantes do que compreendíamos como a forma de trabalho que depois seria chamada por Pai Fernando como a Umbanda “Pés no Chão”. Algumas vezes a nossa expectativa batia na trave. Naquele período a Umbanda era praticada de forma mais reservada do que hoje, e também sofria muito com o preconceito e a falta de esclarecimento. Daquele momento em diante passei a ter uma visão mais ampla da religião que eu conhecia apenas do TPM, compreendendo mais a sua realidade. Aprendemos com Pai Fernando a respeitar todas as casas, mas também a nos posicionar dentro dos princípios éticos e morais que achávamos mais apropriados ao nosso modo de pensar.

Ainda na Faculdade Espírita fui cruzado capitão e participei da gravação do CD Akuan, batendo palmas é claro, já que não aprendi a cantar nem com as aulas de canto e coral que Pai Fernando nos fazia participar – pelo menos descobri que sou um tenor, dos piores. Acho que ao todo passamos por uns três maestros e professores de canto, que contribuíram muito com a formação da engoma. Sempre que voltávamos de uma visita, Pai Fernando nos perguntava sobre o canto e a engoma dos terreiros, esse ponto era muito importante para ele, e quando a engoma era boa e a corrente cantava, era sinal que o terreiro era bem dirigido. Assim como o zelo pela roupa impecavelmente limpa, pouca conversa paralela e a obediência ao dirigente. Também pude ter a honra de ler e dar minha opinião sobre os primeiros manuscritos do livro “Grifos do Passado” e assistir alguns bons jogos do Atlético em sua companhia.

Depois desse período mudamos para a nossa sede atual, e logo no início dos anos 2000 me afastei do TPM, por ter ido morar por 14 anos no Rio Grande do Sul, mas sempre que podia visitava Pai Fernando em Curitiba e participava de nossa giras. Ele, que era muito conhecido e respeitado na Umbanda, certa vez entrou em contato comigo e passou a missão de visitar um terreiro lá em Bento Gonçalves, pois havia sido procurado por uma pessoa que tinha lhe enviado um e-mail. Fui então, em mais uma missão diplomática. Ao todo, enquanto morei por lá visitei três terreiros e dois Centros Espiritas, e ele sempre me perguntava o que achava da Umbanda que era por lá praticada, e se eu não tinha interesse em participar de algum desses lugares. Confesso que não tive maturidade para ver o que ele queria me ensinar, e por sempre colocar o nosso terreiro em uma posição de destaque em meu coração, nunca fui capaz de me sentir a vontade em outro local, deixando de praticar a religião (mas não deixando de ser Umbandista) até retornar ao TPM alguns anos atrás.

No período em que estive fora, infelizmente perdi as mais importantes e ousadas missões diplomáticas do TPM, que foram as visitas à Tenda Nossa Senhora da Piedade no Estado do Rio de Janeiro. Meus irmãos de corrente Mãe Lucília, Pai Éder, Mãe Camila, Pai Gustavo e Pai Lourenço, entre outros, estiveram mais de uma vez na fonte da Umbanda, estreitando os laços com as herdeiras de mestre Zélio de Moraes, as suas filhas Dona Zélia e Dona Zilméa. Estes momentos históricos marcaram nosso vínculo com as raízes da Umbanda e algumas imagens podem ser vistas na seção de fotos históricas do site do TPM.

Recentemente tive a grata surpresa de receber junto com os outros capitães – agora de todas as correntes do TPM – mais uma missão designada por Seo Sete Ponteiras do Mar, através de Mãe Lucília, com a criação do projeto da “Bandeira da Amizade”, para novamente reforçar a necessidade de união entre os Terreiros. Desta vez, sem nenhuma decepção ou desapontamento, visitando casas que praticam a Umbanda dentro de filosofia e princípios próximos aos do TPM e a Umbanda Pés no Chão. Até aqui pude estar presente em três casas, representando o TPM no momento da passagem da bandeira. O que vejo hoje é igual, mas também um pouco diferente do que vi naquela época.

Hoje a Umbanda parece ser praticada sem nenhuma restrição ou necessidade de recolhimento, cada um que olhar o site bandeiradaamizade.com.br irá perceber que o amor pela religião e o orgulho de ser umbandista é estampado no rosto dos médiuns das casas que já receberam a Bandeira. Independente do tamanho da corrente, da forma como a casa é construída, do tipo das guias, quartinhas, quartilhões e alguidares, percebe-se que em cada casa existe amor e cuidado, respeito ao dirigente e dedicação a assistência.

Por parte do que vi nos dirigentes, percebo que este gesto de amizade é também de reconhecimento, de aproximação com outras casas, pois poder fazer parte de uma grande corrente de Terreiros tem um significado muito forte e de maturidade espiritual para todos. É bom fazer parte de um todo, estar ao lado de outras casas e não apenas praticar a nossa Umbanda isoladamente. Hoje a Bandeira passa por dirigentes que foram iniciados em algumas casas que lá atrás, Pai Fernando já mencionava como referências de boa prática e dedicação à fé e a caridade. Assim como descendemos do Terreiro de Pai Edmundo Ferro, muitos dirigentes que recebem a bandeira também vêm de casas que tem tradição em cultuar a Umbanda com dignidade e respeito.

A assistência parece ser igual em todas as casas ao longo desses mais de 20 anos, e percebe-se que as necessidades, angústias, medos, dificuldades materiais e de saúde que levam as pessoas aos centros são as mesmas. A assistência sempre esta lá. Também a proporção de jovens médiuns parece ser a mesma. Agora, alguns com barba e cabelos brancos, mas que também foram estudantes lá atrás. A Umbanda é uma religião alegre e descontraída, que sempre atraiu os jovens e os mais jovens sempre serão muito importantes para a força e equilíbrio da religião. Assim como eu fui ao TPM por intermédio de meu amigo Haroldo, amigo de Leonardo, meu amigo e irmão Pai Léo, muitos são os que entram nos terreiros por amizade e ficam por amor. Entretanto, os jovens de hoje tem estampado com muito mais desenvoltura as suas tatuagens e camisetas de temas ligados a Umbanda – e incentivado os mais maduros a se soltar e fazer o mesmo – bem como, usam as suas guias de proteção no dia-a-dia e não apenas nos trabalhos, chamando a atenção para seu comprometimento com a religião.

Com as entregas da Bandeira da Amizade também pude comprovar o respeito e a consideração que todos têm pela obra de Pai Fernando e pelo que representa o Terreiro do Pai Maneco em nossa comunidade, país e mundo. Dizer que pertencemos ao TPM é motivo de orgulho, mas também de muita responsabilidade, somos um exemplo e por isso também somos mais observados. Recomendo neste ponto a leitura dos textos recentes de Mãe Cris Mendes, especialmente o que trata de amar ao próximo como a ti mesmo.

Hoje também vejo o reconhecimento pela liderança de Mãe Lucilia de Iemanjá, tão respeitada quanto seu pai. Aliás, Pai Fernando era um líder de seu tempo, disciplinador, centralizador, que tudo controlava, mas também era um formador de líderes. Mãe Lucilia é respeitada por ser uma dirigente atual, que trabalha dentro dos princípios modernos de gestão colaborativa, compartilhada e cooperativa, com um pé na tradição e um olhar no futuro. Permite que todos participem da “massarocada”, dos amalás e das obrigações coletivas, que divide a responsabilidade com seus outros irmãos Pais e Mães de Santo, e demais membros da hierarquia, e que deixa a Umbanda crescer e fluir de forma orgânica e harmoniosa, sem perder o comando e saber tudo que esta acontecendo.

Hoje quando vou ao TPM e vejo no que ele se transformou, percebo que a Umbanda não vai parar de crescer nunca. Já não precisamos mais nos embrenhar nos parques da cidade para fazer nossos amalás, nem ir ao cemitério durante as giras de Exu. Podemos falar abertamente sobre nossa religião e compartilhar nossas experiências, reconhecendo quem são os que pensam como nós, respeitando suas diferenças e também seu amor por Oxalá e os Orixás, compartilhamos nossos Guias e mentores. Embora a religião tenha evoluído e se moldado aos novos tempos, vejo que a dedicação ao branco, o comprometimento com a corrente e o zelo por nossas atitudes devem continuar os mesmos daqueles idos de 1992. Somos filhos do Pai Maneco e devemos honrar a nossa tradição.

Fernando Cecchetti – Gira de Segunda-Feira

Setembro de 2017

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