PENSAR MAIS NOS OUTROS DO QUE EM NÓS MESMOS
Cada conta do seu rosário
É um filho que aqui está
Trecho do Ponto do Pai Maneco
Mãe Lucília encerrou algumas giras pedindo para que nós, Umbandistas – dentro e fora do Terreiro, pensemos mais nos outros do que em nós mesmos. Sei que cada gira traz um novo aprendizado e quando as informações se repetem devemos prestar atenção a elas. O ritual de encerramento é uma espécie de conversa direta com os Orixás, última dica para a semana. Tento, neste breve texto, ampliar as possibilidades de reflexão sobre os possíveis sentidos deste “pensar nos outros”. Além do evidente conselho para evitarmos o egoísmo, o pedido caminha na contramão de boa parte dos exemplos que vemos na vida cotidiana.
Num panorama global no qual a competitividade impera, é importante lembrarmos que os trabalhos de Umbanda nos ensinam a compartilhar, a delegar e a compreender. É uma tarefa de equipe, que exige a conscientização, pelo menos parcial, da seriedade da comunicação que estabelecemos com os guias espirituais. Costumo imaginar, de acordo com o ponto cantado do Pai Maneco, que cada um de nós é uma conta na grande guia usada pelos Orixás.
Ao pensar no outro que acessa este texto, ironicamente, imagino que, se eu fosse esse outro, gostaria de saber quem é a pessoa que escreve. Conto, portanto, algumas curiosidades sobre minha história no Terreiro do Pai Maneco.
Eu não estava na antológica Garagem da Gilda, madrinha do Terreiro, onde aconteceu a primeira gira do S. Fernando. Naquela época, eu era cambone, no terreiro da Vovó Cambinda, onde Dado e eu conhecemos Jocelen e Jorge, e de onde migramos, com pouco tempo de diferença, para o Pai Maneco. Isso aconteceu há mais de 25 anos. Logo que entrei no tereiro, fui secretária: fazia o cadastro dos médiuns, cuidava do livro de assinaturas e das mensalidades. Desisti do cargo quando o número de médiuns chegou a oitenta; justifiquei-me afirmando que não conseguiria memorizar o nome de todas as pessoas. As primeiras aulas da Mãe Jô foram ministradas na casa em que Dado e morávamos: Fernando Cecceti, capitão de segunda-feira, fazia parte da turma.
Co-fundadora da Engoma, sei de que nosso canto encanta. Talvez por isso insista tanto para que todos cantem; sei que essa é uma maneira eficaz de sustentação de gira. Não é brincadeira: quando cantamos juntos estamos concentrados na mesma energia e é esta a força que sustenta o trabalho. Cada médium é importante e contribui, muitas vezes sem saber, para a cura de alguém.
Fui Capitã por alguns anos (confesso que tenho problemas com datas) e me tornei Mãe-Pequena numa gira fantástica, na qual Denise, Caco, Renato e eu fomos cruzados por S. Akuan e S. Sete Ponteiras do Mar. Aprendi muito (e ainda aprendo) com Pai Fernando, pois, além das giras e dos ensaios de canto, tive a oportunidade de acompanhar de perto a redação do livro Grifos do Passado, redigindo o prefácio da primeira edição.
Continuo aprendendo com Mãe Lucília, observando o esforço para que os trabalhos espirituais nos ajudem a encontrar alguns pontos de equilíbrio. Para além de cada um de nossos problemas, devemos observar que muitas pessoas chegam ao Terreiro em total estado de desespero e que os trabalhos dos guias almejam curas físicas, mentais e espirituais, através de procedimentos quase sempre invisíveis. Uma gira nunca é apenas o que a gente vê. Gosto de ser Umbandista porque posso aprender sociologia com os Pretos-Velhos, antropologia com os Caboclos e cultura com os Exus.
Voltando à Umbanda Pé no Chão de Pai Fernando: se no início dos anos noventa, a corrente era formada por 80 médiuns, hoje, o Terreiro do Pai Maneco conta com mais de 1.500 pessoas cadastradas nas diversas giras. Sei que todos gostamos de ser chamados pelo nome, mas muitos de nós não temos tal capacidade de memorização. Por isso é importante o uso da crachá para a organização material do trabalho.
Por que saber quem são nossos colegar de corrente? Lembrei-me de um ensinamento do Pai Fernando, em giras que precediam as férias, antes de ser instituída a distribuição das velas que costumamos ganhar, na última gira, para eventuais emergências. Quando estivermos com algum problema e não pudermos ir ao Terreiro e/ou o Terreiro estiver fechado, devemos mentalizar o Congá e as pessoas da corrente, uma ao lado da outra. Adquirimos força ao nos concentrarmos no local dos nossos trabalhos, sob a proteção dos Orixás.
Espero que, ao evidenciar a importância do crachá e do canto, possa ter contribuído para a compreensão da organização material de uma gira de Umbanda no Terreiro do Pai Maneco. Os detalhes que narrei sobre minha participação tiveram a intensão de evidenciar o quanto eu gosto de fazer parte desta turma. Para finalizar, e retomando a dica de Mãe Lucília, Oxalá permita que a aproximação que estabelecemos com as esferas da espiritualidade durante as giras possa transformar nossas atitudes diárias.
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