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O Certo é o Incerto

O Certo é o Incerto

– Cada um aí pode escolher com quem vai trabalhar, se Oxossi ou Ogum. Eu vou trabalhar com o Sr. Sete Ponteiras do Mar! – afirmou categórica a Mãe Lucília.
Canta o ponto e tão rápido quanto a sua afirmação, muda tudo. Pára o ponto, canta para o Sr. Folha Verde e é ele que chega para trabalhar do começo ao fim. Não abriu mão. Chegou e não se intimidou. Assumiu o comando e não deu chance para o Sr. Sete Ponteiras. E olha, o Sr. Sete Ponteiras do Mar é (pelo menos eu acho, mas também pode não ser, afinal quem sabe, o certo nem sempre é o mais lógico) o Pai de Cabeça da Mãe Lucília.
Assim começou nosso trabalho na exuberante Mata Atlântica, no pouco que dela resta ali na pacata e bucólica cidade de Morretes. Isso é a Umbanda, certa na sua Lei, incerta no seu ritual. Difícil de prever, impossível de calcular. Não é uma ciência exata. É uma ciência sentimental na qual se calcula com o coração e quase sempre se erra o resultado. Por que? Porque nossos corações não são puros o suficiente para acertar de primeira. É preciso calcular, recalcular, tirar a prova real e ainda assim pode estar errado, o que na Umbanda pode significar que está certo, pois aqui o certo é o incerto, o menos provável.
Não sou médium vidente nem nunca tive essa pretensão. Sempre achei ser muito melhor acreditar na intuição do que na clarividência. Hoje estou satisfeito por nunca ter visto um espírito, nem de luz nem sem ela. Não vê-los ajudou-me a senti-los e é assim que acredito estar purificando meu coração. É como o cego cuja audição e o olfato se aperfeiçoam. Quem não vê se obriga a sentir.Quem sabe um dia eu veja, talvez baste querer muito, não sei, mas francamente não me faz falta.
E é por essa intuição que vou descrever o que eu “vi” neste trabalho de mata. O Caboclo da Lua e do Sol, meu Pai de Cabeça disse para a Roberta, minha cambone, que enquanto esperava para incorporar na chamada de Xangô, ele subiu numa daquelas palmeiras e ficou olhando. Depois se atirou de lá e mergulhou naquele pequeno lago de água escura e se divertiu. Em seguida veio, incorporou, falou bastante, o que não é muito comum e disse:
– Em cima de cada palmeira tem um índio!
Pronto, já vi, não com os olhos, mas com a mente. Em cada palmeira um índio. Fazendo o que? Não sabia ainda. Mais tarde me afastei um pouco, mais para a ponta inicial da corrente e um impulso me fez olhar para o alto e então vi aquela montanha enorme e novamente por pura intuição vi o meu Pai, o Caboclo da Lua e do Sol no topo daquele morro. Fazendo o que? Não sabia ainda.

Terminaram as incorporações dos Pais de Cabeça e foram chamados os Curumins e com eles aquela música. Sim, música: apitos, assobios, imitações de pássaros, ruídos de todo tipo. Uma orquestra da natureza, um concerto na mata. Olhei novamente para a montanha, fechei os olhos e vi algo lindo: do alto da montanha até chegar naquelas palmeiras, índios em seus cavalos formando duas fileiras, uma do lado esquerdo e outra do lado direito. Vindo de trás da montanha e se aproximando de nós, três cavaleiros montados no pelo de seus cavalos. No centro e um pouco a frente um cavalo branco e seu cavaleiro, o Cigano Woisler. A direita num cavalo negro um boiadeiro, o Sr. João e a esquerda, num outro cavalo negro magnífico, alto e brilhante, o Pai Fernando. Um pouco para trás mais dois cavaleiros em suas montarias: O Sr. Akuan e o Sr. Junco Verde. Não, o Pai Maneco não vinha ali. Certamente já estava entre nós misturado ao seu povo, seus médiuns, seus filhos e tomando conta de tudo junto com o Sr. Folha Verde.
Agora sim entendo o que aqueles índios faziam no topo das palmeiras: guardavam os médiuns do Pai Maneco enquanto aguardavam a vinda dos seus chefes. Cuidavam da segurança de todos, de filhos e de pais como zelosas mães cuidam de sua proles e de seus genitores. Mais uma vez tudo certo no incerto: Cigano Woisler e Sr. João Boiadeiro num trabalho de mata? Difícil de imaginar, porém fácil de acontecer. Foi isso que eu “vi”.

Axé
Pai Caco de Xangô
19/05/2015

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