MINHA OCA – Luciana Barberi Cabral – Gira de Sábado
Minha oca.
De tanto pedir a Iansã mudar os ares, o vento levou cada parte da minha família para uma cidade. Eu, a
lá Dom Pedro, resolvi dar meu grito de independência e ficar em Curitiba, disposta a começar um novo
capítulo sem pai e mãe, irmão e cachorrinhos.
Eis que em meados de 2015 demos início a uma chata e cansativa busca pelo apartamento perfeito para
o meu Grito do Ipiranga. Dois meses depois, já não buscávamos um apartamento perfeito, mas um
apartamento legal. Quatro meses depois, só buscávamos um apartamento.
Para o meu desapontamento, nada servia. Quando o apartamento era bacana, o orçamento não
permitia. Quando o preço era bacana, eu precisaria locar o apartamento do lado para caber as minhas
coisas… assim fomos.
Meus pais seguiram e deram início a uma nova jornada em Florianópolis no final de outubro. Eu, ainda
sem ter uma casa para chamar de minha, fui morar na casa de uma amiga que tinha quartos sobrando.
Certa da minha decisão de que seguiria só em Curitiba, apeguei-me ainda mais aos guias, pedindo
aquela ajudinha pra não fosse tão difícil, sabe como é…. O Caboclo Kariri sempre perguntava:
– Já encontrou sua oca, filha?
– Não, meu Pai, ainda não.
– Vamos resolver.
Era sempre a mesma e certeira resposta. E saía ele, com aquele inconfundível sorriso de quem nunca
deixa um filho só. Segura de que estava bem cuidada, parei de sofrer por isso e fui sofrer por alguma
outra coisinha (como sofrem essas filhas de Iemanjá, não?).
Mais ou menos um mês após a partida dos meus pais, eu estava com uma saudade imensa de casa. Na
segunda feira tinha gira de boiadeiros. Eu, que já invariavelmente bato ponto na assistência de segunda,
não precisava de mais motivos para ir até lá, afinal de contas, os boiadeiros sabem bem dessa tal
saudade da família.
Acontece que nesse dia, a Mãe Lucília decidiu que os médiuns de toco dariam consulta com Ogum na
primeira parte. Quando vi, estava sentada na frente de um Caboclo de Ogum, incorporado em um
querido amigo que sabia o que estava acontecendo na minha vida.
Não falei muito mas logo acabamos chegando ao assunto da “minha oca”. Ele me pediu que fechasse os
olhos e começou a trabalhar. Quando abri os olhos novamente, ele me deu uma vela, com uma concha
atravessada. Disse que eu logo ia achar o meu apartamento, e quando achasse, nem precisaria vê-lo, eu
já saberia onde iria morar. Era só acender a vela para ele e sair para assinar o contrato.
Como poderia? Desconfiada, agradeci e fui embora. Fiquei meio contrariada, mas, por via das dúvidas,
deixei a vela no “porta trecos” do carro, vai que passava pelo apartamento na saída do terreiro?
Uns 10 dias depois disso, fui convidada pela minha chefe, que é minha grande amiga, a jantar em sua
casa. Como eu estava morando em Santa Felicidade e ela no Bacacheri, me convidou para dormir lá,
para que eu não voltasse sozinha a noite. No outro dia, sairíamos cedo para ir trabalhar. Aceitei. Ela me
mostrou seu apartamento, jantamos, conversamos, foi uma noite ótima. Dormi muito bem. Quando
acordei, na manhã seguinte, pensei “Puxa, que predinho simpático! Que lugar bacana! Bem que eu
poderia achar alguma coisa parecida com isso…”.
Exatamente uma semana depois, minha chefe me contou que o apartamento debaixo do dela estava
disponível para locação. Ligamos para a imobiliária. Agendamos visita para o dia seguinte. Quando
entrei pelo portão, já não precisava mais olhar o apartamento. Era aquele. Falei que não precisava mais
vê-lo, mas por insistência e curiosidade da minha chefe, acabamos subindo. O corretor foi muito direto
“Luciana, você vai mesmo ficar com o apartamento? Na verdade eu ia alugar esse apartamento para
uma outra moça. Marcamos amanhã as 10h na imobiliária, mas eu não gostei muito dela. Já você,
parece que será muito feliz aqui dentro. Pode me dar certeza?”. Dei certeza. As coisas aconteceram em
minutos. Assinamos o contrato. Acendi a vela. Fiz a mudança.
Lá se foram quase cinco meses na “minha oca”. Salve todos os Oguns que trabalharam… Ogunhê!
Luciana Barberi Cabral – Gira de Sábado
Você precisa fazer log in para comentar.