Voo de Passagem: águia do Caboclo Akuan e Banshee de Cameron no Animal Kingdom
Costumo sonhar que estou voando e me assusto nas súbitas descidas e nos voos rasantes, quando parece que vou me estatelar no chão. Interpretações tais como: imaginação, desprendimento do corpo e outras tantas designações, não me satisfaziam. Fiquei tranquila quando uma entidade disse que muitos de nós voávamos, em sonho, com a águia do Caboclo Akuan. Passei a tentar imaginar como funcionaria essa visão nas tribos indígenas, pois ao considerar o sonho como parte integrante da realidade, mais ou menos nos moldes dos artistas surrealistas, esses voos, certamente, adquirem força e sentido. Voar com a águia do S. Akuan é compreender o mundo de outra forma.
Quando sonho que estou voando, olho para baixo e vejo uma imensa floresta: mesmo quando é dia, o verde da paisagem é escuro, com muitos e diversos matizes; quando é noite, a luz da lua permite distinguir céu e mata. Em ambas as situações, ao me aproximar do solo, consigo, por vezes, vislumbrar um caminho de terra. Não vejo pessoas ou outros animais, apenas a paisagem passando numa velocidade estonteante.
Recentemente organizamos uma viagem em família, com destino à Florida e seus famosos parques. Covarde que sou, avisei que não entraria em nenhum brinquedo radical, pois tenho medo de enfartar e morrer. Logo no primeiro dia, no primeiro horário, quando percebi, estava na atração Flight of Passage, montada em um Banshee nas terras de Pandora. Agarrei no bicho e assim que começou o voo, me senti na águia do S. Akuan. Não apenas senti, mas chamei a águia do S. Akuan com todas as forças e assim foi até o final da simulação: “estou na águia do s. Akuan; estou na águia do S. Akuan” se tornou uma espécie de mantra que repeti o tempo todo enquanto tentava lidar com os frios na barriga.
O mais bacana foi ouvir a voz do S. Akuan dizendo que é assim mesmo: plantas inimagináveis, animais de várias espécies e, acima de tudo, muita cor. Ao sair do brinquedo, lembrei-me de alguns textos que tinha lido sobre o filme Avatar e sua relação com a floresta amazônica. Dirigido por James Cameron em 2008, o lançamento do filme foi acompanhado pela visita do diretor ao Brasil, numa tentativa de produzir um documentário sobre os índios e a floresta. Não consegui encontrar maiores informações acerca deste hipotético filme, apenas indícios de que imagens aéreas da Amazônia poderão ser usadas no Avatar 2, que acontecerá em ambiente subaquático.
O que me interessa, contudo, é tentar compreender, a partir da possível analogia entre a águia do S. Akuan e o Banshee, de que maneira filme e parque compactuam com o pensamento do TPM. Outra questão relevante: de que maneira alguns elementos fundamentais para a prática da Umbanda no Terreiro Pai Maneco dialogam com os conceitos dos nativos Na’vis na Pandora do futuro? O enredo do filme se passa em 2154, numa lua gasosa do sistema Alpha Centauro, que é o mais próximo do Sistema Solar. Decidi rever o filme, para ver se encontrava algumas singularidades, pois o que mais me impressionara na obra, dirigida pelo canadense James Cameron, haviam sido as novas tecnologias da imagem.
Lembrava-me do romance entre o humano Jake Sulli, interpretado por Sam Worthinton, e a nativa, mas não recordava que o protagonista, ex-fuzileiro que perdera a movimentação das pernas, chegara a Avatar para substituir o irmão morto e evitar desperdício de dinheiro para a companhia que explora a matéria prima do planeta. Além de participar da experiência cientifica, Sulli se vê obrigado a prestar contas a um general sobre os avanços da pesquisadora, Dra. Grace Augustine, interpretada por Sigourney Weaver. Sully, ao entrar no corpo híbrido, meio nativo, meio humano, passa a compreender os habitantes locais. Se revolta contra o exército e opta por lutar para a preservação da natureza e da árvore sagrada que garante a sobrevivência da tribo.
Avatar metaforiza tribos indígenas, cuja reunião, a pajelança, nos é tão familiar nas práticas ritualísticas e as curas, no filme, realmente se assemelham aos nossos trabalhos semanais. Posto que produzir presença é uma das qualidades das práticas socioculturais contemporâneas, o entretenimento vinculado à fruição fílmica pode também potencializar reflexões vinculadas à prática da espiritualidade. E nos sensibilizar mais em relação aos aspectos dos relacionamentos interpessoais, principalmente no que concerne às diferenças individuais.
Gosto da possibilidade de imaginar que os índios, brutalmente extintos de tantos lugares da América, habitem outros planetas distantes, os quais não podem ser danificados por nossas explorações predatórias. Sobre o parque no mundo encantado da Disney: adorei me sentir tão próxima do Caboclo Akuan.
Cristina Mendes
Abril de 2018.
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